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Ah-ráh, meu Bom Jesus!
O que eu mais sinto falta de Bom Jesus são os detalhes, cada episódio que envolvesse bicho ou gente relatado daquela forma. Exagerado, sem ser fofoca, apenas “minúcias”. O mosaico na praça, por exemplo, é um desenho do Sizino. O colégio das freiras foi feito no Otílio. Parecem banalidades, mas é o Bonja, o seu melhor, a sua essência. O anestesista de lá era o Elim, a sua farmácia ao lado do Correio. O Consultório do Simões era em cima. O Dr. Simões era um libanês, veio de Beirute. Notaram os detalhes? É uma beleza pra quem se interessa. O Baile do Doca, outro exemplo. O Clube Princesa da Serra era do muito conhecido Seu Doca. Ele era o Cândido Camargo de Medeiros, mas ninguém sabia. Havia lenda, muita graça, preconceito com seus bailes. No Doca era o baile dos negros! Havia por lá os Camargo pobres e os Camargo ricos (e lembrar sobrenomes que coincidiam entre ricos e pobres se fazia, se faz ainda hoje). Em 1917, construíram um chalé. Em 1947, botaram alto-falantes na igreja. Assim, são datas mortas, sem música, sem sino. O melhor é saber que os padres tinham um cavalo. E quem cuidava o campinho era o Seu João Maria. E o João Maria era maratonista, lateral do Juventude. Uma vez, um Grigol, fez ele “bater” na corrida o Pai Véio que se “achava”. O Pai Véio era parente do Danda? Não sabem. Mas o Danda era primo do Sidóca. O Sidóca, digamos, gostava de “festa”. E o Macedo acompanhava. O Antônio Macedo era da prefeitura e depois gritava e gritava, Viva o Leonel Brizola! E que o José Padeiro era outro do Brizola. Teve o primeiro caminhão do Bonja e bancava o Sete Baiano. Ele tinha um Café onde depois foi a Cooperativa. Na Cooperativa passou também o Güerino, dos mais fortes comércios. Mas que a primeira loja foi do Jocundo, onde fica o José Leoni. O Santo, pai do Hermeto, era no Baginho. E o Vitório De Nalle sempre na esquina, na Laurindo. Uma coisa puxa a outra: o Güerino depois foi pro Herdenande e nesse hotel morava um médico. Um Bili que bebia álcool e foi se suicidando. Ah-ráh, Bonja velho! Crônica de amanhã no jornal Pioneiro.
Crepúsculo
Quando pela primeira vez te vi saber meu segredo que eu pus na janela saber meu fumar na laje encostado
ainda não vias pr
Sótãos e porões
A luz de Deus
entra no sótão e desliza até ao porão Estas imagens farão parte do Projeto Sotãos e Porões da Serra Gaúcha, da fotógrafa Liliane Giordano, aprovado pela Comissão de Cultura da Câmara de Vereadores de Porto Alegre para receber apoio cultural. A Liliane me convidou para escrever legendas para estes flagrantes que poderão ser conferidos: Na Universidade de Caxias do Sul, a partir de 23 de abril No Espaço T da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, de 02 a 27 de julho
O silêncio da espera (Ensaio)
A bicicleta e os carretéis são os principais signos da obra do pintor gaúcho Iberê Camargo. Ele usa estes objetos da infância como uma forma de olhar para um passado que emerge pleno de sofrimento, pois já não é possível de ser resgatado. Sobre essa impossibilidade Iberê confidenciou: O passado serve como referência mas não posso melhorá-lo. Isto é terrível porque não posso resgatá-lo. É intocável.
Iberê nasceu em Restinga Seca, às margens da ferrovia, seu pai era maquinista de trem. Além destes signos da infância — bicicleta, carretéis —, se perceberá também em sua obra este ambiente da Estação. Na tela A Idiota (de 1989), a mulher sentada num banco de estação ferroviária é alguém a esperar. A gare, lugar de partidas e chegadas, de encontros e desencontros, é o lugar escolhido. É o trem da infância para a sua síntese de vida. A atmosfera é de melancolia e tristeza: As figuras que povoam minhas telas envolvem-se na tristeza dos crepúsculos dos dias de minha infância, disse em entrevista. Em Iberê, a Memória — assim, em maiúscula — é impregnada de espiritualidade. Para além dos fatos guardados, ao intuir que a memória é mesmo inapreensível —"inaferrável" na singularidade do seu vocabulário —, compreendeu que somente através da deformação poderia então abstraí-la. Iberê olha para o passado e, dessa busca na matéria da infância, emerge pleno de sofrimento. Constata que já nada resta, nada é possível, e que o resgate é pura abstração: o passado como referência, o pretérito inatingível. A partir desse resgate do vazio, lhe resta somente o contemplar com intrigante tristeza, e chegamos então a este olhar desencantado, que é simultâneo ao esgar dos lábios. O desdém que transparece nas figuras é porque olha para o passado e o passado é terrível. Alguém espera na gare. Mas já não há trem, tampouco alguém a partir ou a voltar. A espera, então, é sofrimento. Eis a razão do progressivo esgar de lábios: é a forma de representar a intocabilidade de um tempo talvez feliz, de um tempo de coisas enterradas no fundo do rio da vida — e que, na maturidade, no ocaso, agora se desprendem e sobem à tona, como bolhas no ar. pr
A luz de Deus entra no sótão e desliza ao porão
Acabo de saber pela amiga Liliane Giordano que seu projeto com fotografias de sótãos e porões da serra gaúcha foi aprovado pela Comissão de Cultura da Câmara de Vereadores de Porto Alegre como um dos melhores de 2007. Ela receberá apoio e espaço para exposição, primeiro aqui na Universidade de Caxias, e depois no Espaço T da Câmara. Eu fiquei feliz com a notícia, pois os textos que fazem as "legendas" das fotos da Liliane são meus, e agora que eu senti a responsa. E vai daí que perguntei do título da Exposição e ela disse: ah, vamos ainda escolher... Aguardo então que ela me passe algumas fotos pra postar aqui. A Liliane é uma fotógrafa da beleza no simples.
O amor quando acaba
O amor quando acaba, abatido, se diz relógio e brandura! Calmamente a pele do amor por fora então como é: é como os olhos de uma criança triste. Estuporada e crescida imagem sem doçura a do amor acabado. O amor quando acaba respira profundamente. Deita-se. E como deita o cachorro deita o amor acabado entre as patas. É um animal que não se mexe. É um sono de ferro. É um sono de ferro em volta do amor acabado, olhar de criança. O cachorro entre suas patas acaba. É um ato. É uma paisagem. Pelo coração há os que tremem. Pelo coração há os que suportam pensar uma destruição. O que se passa com as veias nesta hora? As roupas estendidas fazem um varal? Quando? Um amor acaba e se pensa roupa, veias e fome. Quando??? Se acaba, quando? Sem colher de chá estupendo é este momento de amor quando o amor acaba. Peso. Fardo. Há esta certa ironia sem ser mais dor... Quase sorrindo, de não se acreditar. Bruto (e humano) é o texto que fala do amor finito. Quando o amar acaba? Quando? Ciclismo para o sono. Vagaroso gritar. O amor quando acaba parece um cachorro, criança, violoncelo ou uma paisagem? A fotográfica pose do bom cachorro. Essa é a maneira fácil e pedregosa de se dizer do amor no seu acabar. Relógio branco no pouco que dura. pr
O engenho de um tolo
O amor que congela declina, põe cláusula é amor que precisa do engenho de um tolo pr
Chuva
A chuva não escapa da Terra pr
Casas do tostão furado
Eu só vou no giro d’água, já notaram? Eu escrevo assim. Faço piada, sou um embuste, uma sátira, uma grande paródia, e eu sinto quando é a hora de dar mais teor. E não dou. Falar de casa, por exemplo. Eu devia falar de casa pra quem precisa e não falo. Eu devia exigir de mim um cronista dinâmico e que tivesse mais atenção. Mas o meu tom tem saído baixo, eu falo aqui de lágrimas de amor... Eu apenas giro n’água, sou como um velho moinho exímio em enrolar. Penso em falar de quem não tem casa, um terreno, um bendito pedaço de lote e acabo por não dizer. E este êxodo do meu texto é que é o problema. Eu começo por assunto e já pulo pro final. Vou enchendo a minha crônica de muito lirismo e muita gente anda aí... nos chamando de poeta. Não ter onde morar. Eu devia era falar sobre este assunto, mas anoiteceu pra chover. E eu queria também falar do mau-humor em carnaval, da inconveniência deste meu texto. Falar do ONDE MORAR? Eu me debruço no parapeito ali da igreja e fico a olhar. Praça. Carro. Gente. Banca de Jornal. Um banco. Dois bancos. Três bancos. Eu luto por dinheiro. Tu lutas por dinheiro. A Casa da Moeda foi erguida por essa luta nossa. Luta que nem casa nos dá! Viram! Acabam pensando que é poema! Outro dia, no rádio, nos insinuaram poetas! Que os cronistas de hoje só fazem poesia. Viva a poesia, pois! A poesia que está farta dos agrimensores, dos engenheiros, dos arquitetos e de todas autoridades contituídas que deviam se preocupar com terreno, moradia... com DIGNIDADE, sim! Por isso o mau-humor deste texto. Ele deixou de falar apenas da chuva, de quando anoitece pra chover. Falar do nada, de quem não tem nada, fazer a blague do poder estabelecido. Das Casas de Moeda que não valem um tostão. É disso que fala o poeta e não notam. Mas eu vou continuar como um velho moinho, indo no giro d’água, para de alguma forma dizer: Casas de Moeda que não valem um tostão. Um tostão furado, antes que esqueça! Crônica de amanhã no jornal Pioneiro
O amor não engravidou
O amor que não ousa, nem se entrega, deixa de ser um amor então recente pra ser adeus, nunca mais. Amor findo, amor rasante, feito às escapadas, é amor que veio fugido e da mesma forma espatifou. E amor desse jeito cansa, ciúme, corroer dos minutos, o fastio logo de vez. Amor imerecido, não tocado, ainda que amor amado, mas com medo, sem força, Sansão sem cabelos, o fizemos pra desfazer. E era um amor que deixava o seu rosto radiante, a face da amada lívida, aliviada, e passou de flor, alegria, ao mais burro amor. Por quê? Porque era amor in bruto, desses que brota, jorra, grita, gera, e que logo esbraveja, sem chance ao coração. Gozo. Dádiva. No início, sim. Depois, o temor, o temer, amor que se adiou. E um bom coração, amor maldito, amado, não merece a jura, a ira, a raiva, esse amor que não foi. Não foi pleno, foi amor com defeito, não foi infinito nem enquanto durou. Era um amor tarado, por assim dizer. Porque era amor à distância. E amor assim castiga, judia, traz o ciúme, amor à distância faz sofrer. Faz e desfaz e é por isso o amar que cansa, dura um mês amor assim! E foi esta a medida. Amor grande, grande, mas amor desmesurado, amor imerecido, não tocado, que veio sem cheiro, sem toque, sem força, amor que morreu em nós. Morto portanto o amor rasante. Morto portanto o amor às escapadas, morto o amor portanto que implorou por um tempo e mais paixão. Assim, nada se supera dessa morte, nada. Não se supera nada porque amor que deixou de ser amor-amado, não era amor, nunca foi. Morre porque é amor sem ser. Morre porque é amor fadado, amor que se dana e anda cheio desse desamor por aí: amor que vai plantar bananeira por não amar! pr
Em trabalho de amor
Ele, barba crescida Ela, osso de seu joelho desvestido sem nenhuma proteção
Em seu trabalho de amor sem dia, sem hora os dois corpos operários
na queda do ócio pr
Asa manca
Como interromper asa manca se a mula voa? Como interromper sonâmbulo se se cai de sono? Como interromper anestesia se a mão não sente? Como interromper a luz na hora do parto? Como interromper a pedra se a vidraça gela? Como interromper abraço ficando à distância? Como interromper os termos de idéia única? Como interromper esquecido no fim de um relato? Como interromper a pobreza num país tão rico???????? pr
Granada
O Circo Irmãos Robattini marcou a nossa infância, pois passou várias vezes lá em Bom Jesus. A senha de que estava começando o espetáculo eram os movimentos iniciais de Granada, de Augustín Lara, destas músicas definitivas. Neste começo de tarde de domingo, quando se volta a um Bom Jesus distante, à infância mais remota ainda, fica aí uma sugestão, na interpretação de Alfredo Kraus (do vinil do circo). Aproveita e também confere a fonte das melodias dos Beatles. Este era o cara:
O sumo do mapa
O sumo do mapa é a tua ausência, é o não ter, é o nada, é um negócio atroz. A substância do mapa é a distância, divisa, sofrer na redundância, é jogar o amor na precaução. Porque o afastar-se foi melhor, porque o ficar longe virou motivo do coração. É uma alegria já sem sorrir o sumo do mapa. É um período de vacas magras para o leite não derramar. O sumo do mapa é o não perdurar pra ter. É um passo atrás. É um valorizar de forma idiota, consumo àquele que sofre, é o chá de sumiço no popular. O sumo do mapa é a separação. Mas é a separação pensada, o desistir do contigo, é ir pra trás do carro de bois. É a bobagem do pedir calma, pedir não tenha raiva, é a paciência sem emoção. O sumo do mapa é dar de rédeas em si e na relação. É deixar de cavalgar o que se vai inventando, porque o amor é bobo nisso e nisso está o bom. Mapear pra quê? Acordar o que está acordado, pra quê? No entanto, o recado do mapa é terrível: sua seiva é o calcular. É pensar um futuro incerto, o caso é concreto, que tal sofrer por antecipação!? O sumo do mapa é o me cuido porque me importa. O sumo do mapa é o sair sem bater a porta pra você não vir atrás. O sumo do mapa é o não termina, stop!, pára. Não termina, mas pensa. Não termina porque segue o corpo, pele impregnada, é o amor a mais. Amor para mais adiante, amor que não finda, que pede um tempo já! Desmapeia. Some do mapa. E neste ajustado sumiço eu que te odeie melhor: desaparecida e imaginada... Eu distingo bem essa fronteira que a falta traz. A falta do corpo, do beijo, do colo, mas que péssima idéia inventada por ti!!! Idéia necessária, idéia controlada, prova porém: sumimos do mapa por nós! pr
1ª Aula de Dança
A cintura estuda ao pegar da mão pr
O silêncio
Dançar com o silêncio por um momento de poema pr
Valsa
Dançar valsa é ocultar nossos tropeços com grandeza pr
Suave
suave suave como asa em nuvem suave suave psssiuuu! tua lábia e teu fio de voz eis aqui suave a balada que te prometi triste alegre suave distante e suave (recorda os passos?) quando eu dançar com a vassoura será contigo outra vez suave marota tímida (teu dorso com espuma a dançar) suave era teu caule como lembro suave o pêlo teu pr
Haicai
tentava dizer do vestido mas ficou abaixo do seu desejo um poeta sem medida pr
Poema triste
aos pés do mar vinha em suas mãos prantear pr
Poema só
uns querem alegria querem outros felicidade num poema só? pr
Oração da insônia
Não dormiremos hoje, nem amanhã, nem depois. Senhor, homens e mulheres se põem de joelhos e te pedem em vão. Onde o alívio se igrejas não abrem nesta parte tão tarde da noite?! Homens e mulheres rezam então sós. Insones, homens e mulheres comungam gestos, erros, acertos, refazem perplexos o que nunca se fez. Outrora, se contavam bichos, o primeiro dia na escola, a timidez enamorada. Hoje, amanhã e depois, mal-feita de ausência a noite sem remédio. pr
Soam as trombetas e o poeta de carro usado
Por que os poetas, os primos pobres das artes, têm tanta credibilidade? Falam do nada, têm os pés fora do chão, no entanto, transpiram aquela fagulha de Verdade que não se concede ao orador mais lúcido, ao estrategista mais admirável. O melhor pastor, o padre, professores, o General de Guerra, os fanáticos de toda a espécie soam suas trombetas, fazem da palavra um ente utilitário. E é por isso que se diz que aquele velho congressista, um presidente de Rotary fará o uso da palavra. É aí que reside a credibilidade do poeta: a palavra não seu usa. Ao contrário do prosador, do escritor mais prolixo, se diz que o poeta é mais “enxuto”, é um preservador de palavra. Bingo! A palavra se preserva. Ato contínuo, o poeta é um cumpridor de pactos. É um cumpridor de pactos porque não cumprir um pacto é o maior golpe que se pode desferir contra a validade da palavra. O escritor acredita na palavra e a valida. Trair um pacto, portanto, mais do que um drama moral, para o poeta é trair a natureza do seu fazer: a palavra da palavra é o seu código vital. Daí aquela velha piada: ao poeta se vende um carro usado. Como se vê, nem tão jocosa assim. pr
Puzzle
História do acrobata que não queria mais descer do trapézio História do advogado neurastênico que se estabeleceu na Indonésia História do antigo veterinário apaixonado por uma marselhesa de bigode História do boxeador negro que perdia todas as lutas História do esqueleto maneta História do homem que adquiriu o Vaso da Paixão História do homem que cortava palavras História do homem que pensava ter descoberto a síntese do diamante História do motociclista azarado História da mulher que fez o diabo aparecer vinte e quatro vezes História da senhora que inventou sobrinhas História da dançarina que fez aborto História do decorador que teve de demolir a cozinha de que tanto se orgulhava História do jovem casal que comprou um dormitório História dos dois gigantes da indústria hoteleira História do médico que teve um paciente envenenado por ordem de William Randolph Hearts História do missionário cuja mulher ensinava ginástica História do palhaço de Varsóvia História do pintor que pintou o prédio História do homem que pintava aquarelas para transformá-las em puzzles *** Este índice é de algumas histórias contadas no livro A Vida, Modo de Usar, que eu considero dos melhores romances (no caso aqui, romances mesmo, porque o livro é fragmentado em novelas independentes, que funcionam como “jogos de armar”, puzzles). O autor é um francês, Georges Perec, que morreu prematuramente aos 46 anos, e era adepto da literatura como invenção, gênero no qual James Joyce foi o mais radical. Bueno, o link é que, parece, pela primeira vez vou a Passo Fundo participar da Jornada de Literatura. Haverá um encontro de escritores gaúchos e várias “mesas”, entre elas, justamente, Literatura de Invenção, da qual farei parte. Será em junho e até lá dá pra gente ir lendo, relendo, este ótimo Perec.
O sol trêmulo
na parte da manhã do seu corpo trêmulo, trêmulo o sol pairava pr
Sinfonia dos Capuchos
Quando minha mãe morreu, morreu me olhando! Um último afago nos olhos, uma ternura que abrandou a sensação nunca vivida de ver a aparelhagem zerando. Não zerara antes, ela vivia. Botei o dedo na campainha e dei um abraço naqueles olhos. Voltara por um instante do seu coma e era a nossa despedida. O pânico controlado da enfermeira me afastou dali. Eu ainda disse: a senhora tá levando metade do meu coração junto... Me afastaram dali para o corredor e a porta ainda trancaram. Era um último instante para o torniquete, o destapar brusco, para a bem intencionada judiaria que ainda fazem com o coração da gente. Ela não voltaria. Me deram chá. Não desligaram o rádio da enfermaria. Telefone dos amigos eu tinha um só, no bolso, amassado. Havia um Seguro, uma previdente decisão que me daria então piso naquele vazio tremendo. Mais um chá e vi seu corpo passando na maca. Era madrugada. Demoraram a devolver seu corpo que já viria vestido e com o vestido que escolhi. Estampado de flores, em rodízio, era preto-laranja, laranja-preto. Três amigos depois nos seguem na estrada. Pedi ao cara da funerária que parasse, eu precisava mijar. —Está nevando!, ele me disse. —São só alguns capuchos!, respondi. Você vai ver lá em Bom Jesus! *** Há muito queria escrever este texto e não conseguia. Trazia guardado. Ele me diz muito. Mas, se me coloco a ouvir a sinfonia nº 9, a Sinfonia do Novo Mundo, de Dvorak, também sinto que me estimula, me anima, me manda pra vida e me faz ter coragem quando eu tanto preciso. O que mais emociona e ajuda a gente. A música ou literatura? pr
Ah, uns tapas no ouvido! (ou o blog autoral)
Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem na igreja, o meu batismo negou. Sem nome, bem mais tarde, em confronto com a doença, com a vesga, perdi o embate, perdi minha mãe. A covardia em mim veio cedo, não saber ao pai quando nasci. Não o conquistei. E, se partiu, a possibilidade de carinho e afeto é que o encorajou. A coragem decerto do tédio, a refuga ao abraço bom. Depois, o pão-de-milho era o meu preferido. Depois fui leiteiro, engraxate, pasteleiro, me ensinaram caligrafia, quaquaquá! Ah, a “luz do saber”! Aquela aula mágica, qua, que, qui... no quadro-negro adormecia em nós. E o sonho era bom: ao invés do feno, o boi, a vaca, poderíamos colher o mundo, se mandar dali. Muito corajoso, portanto, demorei ainda um tempo, mas me mandei! E fui com sede ao pote: Porto Alegre, Lisboa, vivi aos reboques, olhei perplexo Paris. A Europa era a língua que não tive, em Toulouse, acordei! Eu era a “raça amarela”, nos diziam cães sarnosos, fui depor por divergir. Com os argelinos dividi meus poucos tomates, com aquela gente da Argélia eu dividi a dor da cor. Como o pai, covarde ainda, vi o futuro em Orly e voltei. E voltei para a possibilidade de um filho meu. Filho avulso, fosse, mas filho meu. E meu filho, escolhi seu nome, não o tive, hehehe. A caligrafia, o desenho, percebem??? Por que me ensinaram a escrever e a enxergar? Quem sabe, sabe a consciência do não-saber. É isso, entendem? Não sabendo, não me teriam tirado coisas, pois não as perceberia em mim. A literatura, por exemplo, me dá essa chance diária e pública à exposição. É patético, eu confesso, eu me expio, fígado exposto ao sol. Eu bato lata por mim. Só que nem sempre sou. Somos mais, somos máscaras, exagero, quem escreve diz mais do que é. Não perde a piada, repõe textos passados, vive trazendo remorsos e recriando a dor de amor. Cuidado, portanto, com este blog autoral!!! Ele não vai falar da limpeza dos meus dentes, nem da tomografia que eu possa fazer. Fará a confissão do rosto inteiro, muito além da gengiva, muito além do fígado e do rim. Fosse viva, minha singela mãe por certo diria, ah, uns tapas no ouvido!, andar por aí exagerando, falando dos outros sem permissão. Isto é a literatura. Ou, quem disse que briguei às duas da madrugada com o meu amor? Que amor? Onde o amor? Falei apenas que todos brigam, muitos brigaram anteontem e foi só... pr
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