O silêncio da espera (Ensaio)
Sobre essa impossibilidade Iberê confidenciou:
O passado serve como referência mas não posso melhorá-lo. Isto é terrível porque não posso resgatá-lo. É intocável.
Iberê nasceu em Restinga Seca, às margens da ferrovia, seu pai era maquinista de trem. Além destes signos da infância — bicicleta, carretéis —, se perceberá também em sua obra este ambiente da Estação.
Na tela A Idiota (de 1989), a mulher sentada num banco de estação ferroviária é alguém a esperar. A gare, lugar de partidas e chegadas, de encontros e desencontros, é o lugar escolhido. É o trem da infância para a sua síntese de vida.
A atmosfera é de melancolia e tristeza:
As figuras que povoam minhas telas envolvem-se na tristeza dos crepúsculos dos dias de minha infância, disse em entrevista.
Em Iberê, a Memória — assim, em maiúscula — é impregnada de espiritualidade. Para além dos fatos guardados, ao intuir que a memória é mesmo inapreensível —"inaferrável" na singularidade do seu vocabulário —, compreendeu que somente através da deformação poderia então abstraí-la.Iberê olha para o passado e, dessa busca na matéria da infância, emerge pleno de sofrimento. Constata que já nada resta, nada é possível, e que o resgate é pura abstração: o passado como referência, o pretérito inatingível.
A partir desse resgate do vazio, lhe resta somente o contemplar com intrigante tristeza, e chegamos então a este olhar desencantado, que é simultâneo ao esgar dos lábios.O desdém que transparece nas figuras é porque olha para o passado e o passado é terrível. Alguém espera na gare. Mas já não há trem, tampouco alguém a partir ou a voltar.
A espera, então, é sofrimento. Eis a razão do progressivo esgar de lábios: é a forma de representar a intocabilidade de um tempo talvez feliz, de um tempo de coisas enterradas no fundo do rio da vida — e que, na maturidade, no ocaso, agora se desprendem e sobem à tona, como bolhas no ar.
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