sábado, fevereiro 28
quarta-feira, fevereiro 25
Literatura de Invenção III
Oswald, aliás, é muito bem acolhido pela turma da Poesia Concreta que, ao fazer literatura em prosa, como Haroldo, avança a batida do autor de Serafim Ponte Grande. É o caso de Galáxias. Nestas “tábuas de prosa” que se prestam à leitura como páginas independentes, Haroldo de Campos faz soar as palavras, dá o tom numa espécie de prosa-porosa em sequência ainda poética. Circuladô de Fulô é o texto mais conhecido depois que Caetano Veloso o musicou.
Por afinidade com os concretistas, o poeta Paulo Leminski foi talvez quem melhor assimilou aquela corrente de experimentação (com a gênese vinculada a James Joyce) ao adicionar um tempero brasileiro a este tipo de texto. No romance Catatau, Leminski põe o filósofo René Descartes em plena Holanda Pernambucana, e insere a reinvenção do discurso (malandro, debochado) entre os holandeses então aqui.
Mas, contemporâneo ao livro de Leminski, quero ainda marcar um caso singular da nossa literatura feita à margem. Em 1977, Glauber Rocha saturado das cobranças (mais políticas que estéticas) sobre a sua trajetória, resolve sentar para escrever além de roteiros. O resultado é Riverão Sussuarana, um romance que traz como protagonista Guimarães Rosa apaixonado por Linda, a filha de Riobaldo com Diadorim, os personagens centrais do Grande sertão: veredas.
Glauber, ao mesmo tempo em que escolhe como pano de fundo a marcha da Coluna Prestes (da qual seu pai foi um dos integrantes), quer acima de tudo expressar a verdadeira fala do matuto do sertão. Glauber dizia que a literatura brasileira tinha esta dívida: dar voz autêntica ao sertanejo (que Rosa teria aprisionado ainda mais a “língua” do sertanejo no seu romance). O resultado é um cipoal de vozes que mistura o erudito com a fala autêntica dos nordestinos e não alcança um resultado, digamos, da lucidez revolucionária dos seus filmes. O livro vale pela coragem de Glauber em buscar ainda a inventividade em terreno minado por Guimarães Rosa.
domingo, fevereiro 22
Os bonjas
Alguém conhece um “mau” Jesus?
Por isso, Bom Jesus é bom!
Minha mãe está sepultada em Bom Jesus. Em Bom Jesus sou o Paulo da Carmem.
A cidade é pequena, o nosso nome é como extensão da casa.
É o Juventino da Lôra. O Esnilzo da Cláudia. O Armazém era do Seu Candiago.
Quem zela por nossas lápides é o Azul Pedreiro.
Nascemos no Bonja e quem zela por nossos mortos é o Azul Pedreiro! Isso é bom. Por isso eu repeti. Quem zela por nossas coisas é a simplicidade. Nossa música? Uma gaita mal-tocada. Quem zela por nossas ruas é o vento e isso não é figura. No final das tardes um vento varre nossas ruas desertas.
Bom Jesus era melhor quando não se ouvia esta tabuleta a balançar com o vento.
Talvez alguém, mais adiante, reinvente o nosso Bonja. Por ora, sobra o apego. O sonho da volta, quem sabe, um dia.
Bonjandeses, bonjaianos, há um Bonja por toda a parte. Há um Bonja por toda a Bahia.
Há um Bonja que mora em Las Vegas. Em Criciúma, Joinvile, no velho Arroio há os bonjas em família.
De São Paulo, perguntam — e o Bagata, e o Hermeto? Um bonja se espalha, mas nunca esquece.
O Bonja e sua lágrima encoberta. Segue um bonja aí pelo mundo.
Há um Bonja na Argélia. Em Angola, Lisboa, Cuba. Há 100 mil bonjas só aqui em Caxias!
Quando é Bonja se vê que é Bonja. Pão de milho, pinho e neve, trazem a infância pros sites e orkut.
Bonja noche, Tio Purça, Craque!!! Bom Jesus da Bastiana e do Altino.
E em cada sua esquina sem paisagem hoje vejo nosso Bonja baldio. Nosso Bonja dos que partiram — esse Bonja que é só lembrança.
Muda do sol, flor na colina. Bom Jesus é o que define saudade.
terça-feira, fevereiro 17
Literatura de Invenção II
Georges Perec, daquela turma, é sem dúvida o mais criativo. Entre seus tantos textos de experimentação, escreve um romance sem utilizar o “e” (a vogal mais usada no francês), o que equivaleria a escrever no Brasil desprezando o “a”. O seu livro de maior alcance é A Vida Modo de Usar. Nele, relata a história de um pintor que passa o serrote em todas as suas telas e espalha os pedaços pelo mundo. E depois gasta o resto de sua vida a recriar os quadros. Uma reconstrução à moda dos jogos de puzzles, estes quebra-cabeças que, além de crianças, seduzem também adultos.
Coletivamente, a “oficina” foi a produção mais importante na área da Literatura de Invenção. Entre nós, a Poesia Concreta (com Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos à frente) talvez possa se equivaler como manifestação artística.
Contemporâneo da Poesia Concreta, outro texto (e definitivo) também se vincula à Literatura de Invenção. Guimarães Rosa, o mais inventivo entre nós, no seu Grande sertão: veredas faz a reflexão sobre o mal e o bem, o diabo e deus, vida e a morte, a partir de um romance nunca resolvido entre Riobaldo e Diadorim, porque Diadorim até o final do livro veste e age como jagunço. A grande poesia em prosa em Língua Portuguesa é este Grande sertão.
Na virada dos 70, num de seus últimos livros, Erico Verissimo também reinventa. Incidente em Antares é o livro de Erico que mais gosto, porque bota uma procissão de mortos a tomar a cidade com discursos contundentes relacionados à moral, à ética, ao sexo, ao escambau!
A Literatura de Invenção, como se percebe, acolhe autores e gêneros muito diferentes, e isto também é uma boa razão para ser descoberta. E prova disto estará no desfecho destas três crônicas. Nosso maior cineasta, Glauber Rocha, também se arriscando na reinvenção literária.
Texto para o Pioneiro de amanhã.
sábado, fevereiro 14
Ciclo
Em outras palavras Marlene Dietrich (e entre ela o Luiz Gonzaga entre o Sol se retirando)
E que entre outros nada eu não saiba o que sei entre hoje e ontem
quinta-feira, fevereiro 12
Poema das 30 frases como um morcego no vidro
Um longa-metragem sem verba. A pantomima e os chapados.
Os balaios do Seu Laurindo, o processo no fórum parado.
Parábola da Pata-Choca, sorriso que vem do escárnio.
O Quadro da Lanterneta e o baita azar da cegonha.
As nossas preces em macumba e a cobra do couro rajado.
As tristes botinas no MASP e um Hino ao Contrabando.
Bom equilíbrio ao dinheiro e as pernas boas da moça.
Polígrafos que vendem aos quilos e a falta total de ideias.
O pensamento constante, tremula em bandeiras o meu Bonja.
O Tópico II dos Cachimbos e a invocação de Teresa.
O giro que faz a bússola e a geometria do carro.
A valsa com muita técnica e a grávida com pouco inchaço.
Os fundamentos perdidos, exige baliza a Carteira.
O Livro de Deus aos Defuntos. A Bíblia dos Desvalidos.
E a sátira que fazem os morcegos ao se baterem no vidro.
quarta-feira, fevereiro 11
Literatura de Invenção
Literatura de Invenção. Tem alguma que não é? Sinto desapontar, mas a redundância é apenas aparente. Há algo mais aí. Donaldo Schuler, na Introdução do Volume I do quase ilegível Finnegans Wake, de James Joyce (o mais radical mergulho na expressão jamais tentado), escreveu: “Nem sobre enredo nem sobre processos verbais se profira sentença de experimentalismo gratuito. Joyce avança com expressividade reinventada. Invenções só falam a receptores inventivos”.
Eis a chave da leitura. É mais ou menos isso: (re)invenção, inventar em cima da invenção. Além da originalidade do enredo, da força da imaginação, as formas e os suportes devem estar à mão do sujeito. E seja que diabos seja, cinema, teatro, música, dança, fotografia ou ilustração, tudo isto bem conjugado com a palavra dá uma cria melhor.
Reinvenção com receptores inventivos. E há sobre este, digamos, “gênero”, uma trajetória de autores bastante consistentes (alguns também mestres na linearidade). Na Literatura Brasileira, por exemplo, Machado de Assis botou um morto a narrar sua vida e isto é uma senhora (re)invenção de narrador, e que fica à altura de sua excelência narrativa.
Lá fora, além do Finnegans Wake (o livro que persegue narrar um sonho inteiro. O doido do Joyce foi tão fundo na pesquisa com a palavra que inventou até a voz do trovão. Um rronnnkonnbronntonnerronntuon de preencher duas linhas ou mais), Ulisses refaz (ainda sob um enredo comum: 24 horas de um sujeito em Dublin) a forma narrativa de nosso tempo com a introdução do monólogo interior e a criação de palavras (palavras compostas jamais escritas) que trazem uma terceira dimensão ao que se lê.
Joyce paira como um fantasma sobre a literatura moderna desde que escreveu Ulisses em 1922. Mas, fantasmas por fantasmas, a novela mais esquisita que li foi Pedro Páramo, de Juan Rulfo, que faz de uma cidadezinha o maior labirinto literário que topei. Rubem Fonseca, em Lúcia McCartney, tem uma segunda novela embutida na primeira, a segunda novela inteira nos rodapés.
O tema da reinvenção é bom, vocês estão vendo. E continua semana que vem.
sábado, fevereiro 7
Aparições da primeira rua
Eu queria como o cão da doceira, prelúdio, farsas, trapaças, como se negam as traições.
Amostras de amor, excertos, páginas cortadas, tratar psicologia com prosa, um soneto que o louco bebeu.
O canto dos pés na bacia, eu queria honrar Maria Flávia, a paisagem com mulas na infância, a D. Isolina Paim.
Uma rosa com esperança. O flautista esperando chuva. Cenas nervosas, desmaios, as saídas de nossos velórios, dente siso no verão.
E eu me riria pagão. Um besouro. Astronauta, Neil Armstrong, a pensionista em confissão: não está na Lua nada é na praia que anda. E os lençóis mais caros do mundo ela dizia ter.
Toda a aritmética. Eu queria fazer elogio ao sírio, paródias ao amor, ao dinheiro, o que move o fatigado a Jesus?
Um longo capítulo da infância. Canastras, o número que fez a girafa, aparências tão cedo a queimar.
Sem queixa, com as tripas, demente, tranqüilo, crescer na rua de um velho poceiro, trecho de estradinha a afundar.
Religião, morto sentindo o cheiro, o Beco do Chico Velho, França e Lissa a jogar.
Eu queria a terminologia daquele turfe, éguas, potrancas, até foguetear Lacrimosa, a saúde para Isabel.
Eu queria um lugar à mesa e nem a mesa mais há. E nem luz, era vela, o poço dos nossos pobres tinha água a saciar.
Uma rua de mulheres: lavadeiras, cozinheiras, passadeiras de algum hotel.
quarta-feira, fevereiro 4
O pênalti sempre marca
Difícil. Escrever já é difícil, multiplique-se. Pelo meio, duvidava se conseguiria. (Consegui?).
Desde 2007 não produzia (não estou contando as crônicas). E restava o vazio, fonte seca mesmo. Mas o livrinho estava só fazendo a teia, agora eu vi. Primeiro, eu não tinha “a história”, a condição narrativa. E, depois, esta minha escolha circense (quem dera fosse ainda o palhaço).
O fato que não precisei da rede. Ou melhor, quero ainda falar de redes. Desde o começo, não para ser um Escritor, mas coerente (procuro ser ao menos isso: coerente), optei por uma equação difícil. Minha criação é, para fazer analogia com o futebol, fora do campo linear. Não estufo redes. A marca do pênalti fica atrás da goleira. Quer dizer, minha realização não é para o grande público. O que escrevo, eu tenho consciência disso, é para quem está atrás do gol. Aquele pequeno número de torcedores e outras poucas testemunhas da imprensa que ficam ali.
O preço que pago por isso eu já sei desde o primeiro livro. Não seria jamais um best-seller, famoso, isso nunca. Escrevo é para combater a angústia da fonte que às vezes parece secar.
Foi difícil. Cheguei trabalhar 18 horas para escrever uma página. Depois, na releitura, a página virava um parágrafo. Resultado. O meu livro é um livrinho: 40 folhas, mas deu trabalho de umas 500. E espero ter parado no porto certo.
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A crônica passada teve um bom retorno. E agradeço também por me ajudarem a encontrar o livro. Estive tão envolvido, que nem dei conta que já havia lido a biografia, e não liguei Elizabeth ao milagre dos Ausentes. Aliás, a biografia é de autoria do próprio Fidélis. Elizabeth é uma garota de Passo Fundo que morreu num atropelamento aos 15 anos e passou a fazer curas e dar alívio. Ela tem inúmeros seguidores.