Vitrola
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Mercado Nervoso
Compre-me porque eu era a Rosa, a Rosa da Dalva, da Dalva não sei de quê. Compre-me porque eu faço que durmo, que não conheço, não passo de curiosidade pra você. Compre-me, toque em mim, compre-me como se compra um artista, jogador de futebol. Compre-me de coração, miúdos e tripas, me leve tudo inteira se dinheiro tiver. Vamos, compre-me, me dê saúde nova, e eu vou ter UNIMED se comprada por você. Compre-me, diga, “tenho filha diferente”; compre e me exiba como um troféu. Compre-me, não fique com pena de mim! Compre-me antes do teu derrame. Invente pra mim Sapatinha, me ensine a brincar. Compre-me, é uma boa causa, é coisa moderna, sou canhota, peça publicitária, sou tevê, um esmalte, faça a papelada de mim. Compre-me pra se acalmar. Compre-me, deixe o remorso, compre-me, leve-me, sou às centenas, aos milhares, aos bilhões. Compre-me. Orgulhe-se, seja um bom maçom. Compre-me e suborne uma alfândega do Brasil. Compre-me, eu posso ir pra Suíça, sou baixo preço, o valor nem sei. Compre-me porque um gordão do mercado já me comprou! Trecho de texto que escrevi para a coletânea Contos Cruéis. O livro, organizado por Rinaldo Fernandes, será lançado pela Geração Editorial, na Bienal de São PauloVeja lista dos autores do livroLeia entrevista com Rinaldo de Fernandes
Grito de carnaval e adjacências
O Artur puxou o trenzinho do carnaval. O Batata levou um empurrão por querer do Cabo Miche. O Antero do Violino no Baile do Doca tocava violão. Tinha um pôster de lata de Pepsi-Cola antinga na entradinha do banheiro onda a Vani ficou encostada. A cachorrada acoou quando a Brenda foi em casa calçar um sapato. Um dos da Hidráulica ganhou a rifa. O Zoinho começou a ajudar o Doca por causa do movimento. O Vercidino queria só uma Soda Tônica. O Didão na bateria. A Sargenta escutando umas conversas do Preá junto com a música. A Salete achava que o Jasmim não ia aparecer mais. Nem que doesse a unha a Brenda tinha vindo em casa só pra parar de sentir desaforo. A Negrinha foi escolhida a Rainha... As marchinhas do Vercidino. O Seu Milito com a perna encruzada na outra. O delegado Gentil veio sentar na mesa dele. O Cabo Miche ainda vermelho na mesa do Saú comendo com eles a galinha comprada com o dinheiro deles mesmo sem ganhar em rifa. Agora era uma parte da lista com as marchinhas de autoria do Vercidino que ele tinha feito. A Rainha comendo a sambiqueira. O Seu Galone chegou com o Pantilha no baile. Os Suzin na delegacia: tinha o Jasmim sendo atendido na frente deles. Ficou o caroço nas costas do Jasmim na frente dos Suzin. A marchinha do trem. O Didão na bateria. Uma aglomeração pros lados da Copa. O Artur tava tendo um epilético.Trecho de Vitrola dos Ausentes, ps. 43-44
Em honra do amor... no carnaval
Você não quer me contrariar mas eu faço companhia Você quer saber se é isso mesmo e eu acho isso mesmo Você quer saber se vou na boa e eu vou na boa, sem problema Você quer pedir mais uma coisa e eu digo, é assim que se deve, peça logo Como você quer Não sambar miúdo mandar ver no pé Que eu concordo e caio nesta: serpentina, língua, assopro, um alalalô nas tuas costas E você insiste se eu gosto disso mesmo: seu dorso, a perna, o corpo e o medo estando em público? E eu digo SIM e você acredita em tudo se acredita até a quartapr
Lua
Lua levada, virada, tampa de panela Fio e foice, Lua com haste! Lua míngua, renova, cresce, enche: a Lua é a ternura de mãe grávida com o seu ventre suspenso pr
As mortes e a morte de um Horácio magro
O Horácio chegou bem mais gordo já defunto, o Horácio, coitado! Acharam o Horácio dormindo o Horácio de um jeito deitado Responda, Horácio, responda! mas Horácio não mais respondia E o Horácio ali bem exposto mostrando seu corpo há 6 horas Responda, Horácio, responda e o Horácio, defunto, sorria, Que o pobre depois de morto esticava as canelas pra fora O Horácio na meia-mesa era o que o Horácio tinha Na galhofa do seu velório o Horácio, mais gordo, sorria pr
Exposição de motivos
conto traço moldo o que de ti bordo, mão, mostro!pr
O balé da carne viva
Chuta, mulher triste, chuta a ruidosa ausência Chuta, viúva, que o teu corpo é cúmplice Chuta, gesto de arame, carne viva pr
Crianças especiais
Crianças especiais, aprendo com elas assim: eficientes, são amigas, que forma que amam!, carinho bom... Crianças especiais, eu cresço com elas assim: travessas, sapecas, que forma que abraçam!, nos tiram do chão pr
A transposição da pele
A pele do pêlo é uma pele pra fora pele que se abre pele, pele no apalpar a pele que sai de açúcar é fêmea, pele a rosar a pele que muda a pele é a pele do tesão pr
Minha mãe arregaçava as mangas
minha mãe arregaçava as mangas e lavava os pratos minha mãe arregaçava as mangas e fazia pão de milho minha mãe arregaçava as mangas e sofria dos nervos minha mãe arregaçava as mangas e carregava lavagem minha mãe arregaçava as mangas e dava banho de sol nos braços esta era a sua praia: lavar os pratos do hotel me fazer com caminhoneiro pr
Com a maciez de uma asa negra
A mulher que seguia na rua era como um cisne, ave, garça, trazia nos cabelos a maciez de uma asa negra Esta mulher com bolsa e pacote, furtiva, esperava depois angustiada E entrou no seu ônibus. Finalmente só doceira, finalmente boa vizinha. Não nascera para olhares pr
Um pender debruçado
Quem foi o inventor desse ser, dorso partido, sentado, distante, que não nos atende? Nem aí, insípido, inodoro, quem foi o inventor desse debruçar sonolento que tanto nos atrai na mulher? O amor abandonado? Não se culpam. Debruçam, tão-só. Sim, porque uns quantos bilhões de mulheres do mundo neste momento estão com a face esquerda calculadamente apoiada ao pulso. Meticulosamente caídas, meticulosamente debruçadas por piedade, por piedade de nós, homens seus! pr
Broca
O homem, trêmulo de pedra, desossa o asfalto. O homem sacode, treme, broca e destrói a rua no prazo. Ele esbrugalha, pisa e carnavaliza ainda a rua velha em sua morte. Esta laje onde pneus tiniram é só agora uma forma de amor deste homem hábil. Ama o que faz. Surdos são os seus passos em torno da pedra construída. A pedra que é pedra agora arrependida e o homem a toma, a broca e a maquina. Estúpido é o homem que faz a pedra e a desfaz e desfaz. Pra quê? A máquina e o homem ainda rugem e a pedra despedra-se. O som da rua que o homem corta ali é como o som de um aborto.
Covinha
A covinha bifurcava e a conversa se arrastava, se arrastava, se arrastava... E eu sabia bem aproveitar o charme de sua ausência pr
Noite suave
Pegou-se a apalpar gentil, agradável ponderada Não sabia se acidentar Não sabia ser imprudente pr
Mulher na cama azul
Absorvida e triste encosta-se na ausência absolvida e triste por um amor distante
mas que o seu pescoço, tenha dó, não envelheça!pr
O toque
O toque na roupa O toque no leito no verde da tarde O toque de susto, no rosto julgado morto, o toque no seio como o queimar de um raio O toque na penugem, trevo úmido, um toque de intimidade da mulher em si pr
A sesta
A sesta é o que se faz, mas engana É o descanso da preguiça circo, equilíbrio de xícaras, é a cozinha da mãe Joana
É um pedaço da noite no dia mentira de quatro patas, a sesta é uma fábula
pr
A audácia despela batatas
Carnes vergadas Inclinadas sobre o amor
Dá um medão! pr
O pátio
Pega o sol e bate o tapete Pega o sol e varre o pátio
Em tão laboriosa tarefa escabela forceja umedece entre as pernas
Inclina-se no varrido ajeita-se depois no tapete Estira a alcinha na pelve pra discreta recompensa: possuir... como sabe a mulher que pega o sol distraída, sem trabalhopr
O salto
O salto no vácuo O salto esvoaça O salto pisa, rebate O salto respira O salto canta, chama O salto bolera... O salto repousa quando queima O salto apaixona, o salto faz sexo, metralha, levanta o vestido O salto pra! O salto pára. O salto no tablado O salto na altura O salto de cabeça é um salto suposto Traído pelo salto Na confusão dos saltos: guia, leme, descaso O salto praprapra na lata e o coração... Inspirado no Tablado Andaluz dançando o Bolero de Ravel com a Orquestra de Sopros de Caxias do Sul
Uma prova de amor
Ela não conhecia o sabor do mar. Ela não conhecia o sabor de nada, porque nasceu sem distinguir entre o açúcar e o sal. Ela comia galinha, porque sabia que era justamente galinha, e era galinha e só. Não tinha olfato. Então, um dia, conheceu o seu homem. Um amor porrada, desses grandes, imensurável, amor regado a lágrimas e beijos bons. Mas nem dessa lágrima soube o sal. Nem desses beijos sorveu o doce. Ela padecia ao sem-sabor desse bem que a vida lhe deu! Um dia, foram ao mar. Juntos, pela primeira vez, foram ao mar. E essa mulher, essa mulher tão apaixonada pediu ao seu homem que lhe ajudasse a provar do mar. Queria saber o seu sabor... Houve um espanto nele. Sentiu-se impotente, ignorante, um traste, um cara sonso, sem sal. Não sabia como ajudá-la!! Assim, enjoado, convidou-a ao mar. E brincaram, afundaram e sentiram o balanço e aquele medão que só no mar se tem. Súbito, de uma onda (onda que a tragara antes), ela ressurgiu. E renasceu dessa onda então linda: parecia uma outra mulher. Era garça, fêmea, uma mulher parecendo muito mais madura aos seus 36!!! Tão bela imagem! Os cabelos em cachos. Os cabelos em cachos atirados às costas e uma curva descendo. Uma curva descendo pela espinha daquele corpo nu... A espinha fazia de fato contornos até abaixo... digamos... até a sua nádega. E esta mulher chacoalhava ainda os cabelos quando trouxe os dedos à boca. E bebeu o mar. Esta mulher que trazia os dedos à boca bebia então o mar... E disse seu gosto, sim... Ela disse: o mar tem o gosto que eu provo. E o mar tem um gosto de amor! pr
Um bicho desestimado
Queria com o aço temperar o mundo Queria o tracejo forte, o gesto profundo, queria a pressa desse sentimento que alarga o mundo
Queria a carne nessas cordas, queria agravar um coração!
E num súbito enfia e tira, a raivosa palma entreaberta, num rasgar à superfície!, os dedos voltavam sangue
... o seu corpo era tocado por um nervoso amor perdido
E a guitarra aquecia a guitarra junto à sombra do peito a guitarra como um bicho desestimado ... ainda... ainda...
Era nisso a mão: no aço!... e o corpo uno pr, 06 fev 2006
O corpo de Deus
O corpo, balsa arrogante, vértebras e ventre, armadura de Deus
O corpo, humano, enfunado, o corpo é uma balsa triste emproada pr
Mais uma vez adiamos
Mais uma vez adiamos e adiamos os nossos medos, remorsos, a decisão tão humana que tivemos de nos ver. Um ao outro, adiamos nossa ida até nós. Por que adiamos a saliva? Por que as gastas horas de fantasia não se tornaram reais? Eu me vejo injusto agora ao que desejei e não fiz! Adiamos. Mas foi justa a causa, me explicas, e eu compreendo. Compreendo mais uma vez por que não fui. Compreendo a estratégia do nosso Plano B. E deixo então a mala ao canto. Adiadas calças, camisas, despesas que fiz. Adiados fiquem meus três pares de meias sem utilidade para a projetada nudez. Adiado fique o nosso nu primeiro! Eu e você nos adiamos mais uma vez. Livramo-nos do encontro, livramo-nos de nossos pés, mãos, gatos enovelados como se projetou o dormir. E restam as golas, camisas empilhadas da viagem que não fiz. Vinho suave que não se derramou... corpo que não se sorveu.... Houve por nós uma planejada desistência e não compreendo agora o punho que fechei. Ele dizia CORAGEM! E o punho que me devolveste dizia EU VOU!
Uma despedida
O amor, o meu amor, despediu-se e saiu. Triste, já amorzinho, pobrezinho, ele se foi. Saiu pé por pé, travessura, quem sabe?, uma outra felicidade o meu amor ia tentar. Ia cuidar de si o meu amor. A minha amada ia partir pra outra, eu que ficasse atontado ali. E eu corri ainda ao portão e disse: Não esqueceste, amada, o que levar? Não, me disse. O teu bom coração eu levo no filho que começo a gerar! pr
O tigre
Como uma paixão à espreita o tigre faz valer o seu dote: riscas traiçoeiras macias enrustido em ouro bravo
pr
O menino
Ouvia gemidos na cama sussurros de prazer chorava em quatro patas, o menino, como um bicho pr
A paisagem da música
A paisagem da música é de notável discrição: espanca coração de moça enluta a flor no passar A paisagem da música é de notável discrição: triste em descalça alegria, é um beijo na chuva de pé
Desalinhado
As linhas dos teus olhos confundem as entrelinhas que teu seio tem: azulinho de tão meigo decote nele o toque de um outro sem mão Perturbado em perversa cegueira venta a gangorra do ciúme em mim E tu, descaso ao verso, ao meu desalinho, tiras linha do nariz
Microconto
Vinco de divina carne no baixo jeans:
visão que almoço
Um amor pra não findar
Parece mesmo que Deus ia fazer daquela noite a maior noite do mundo. A maior dos séculos, a maior noite que já se viu. A noite seria mais que um manto, seria o próprio céu de avesso. E, para enfrentar a escuridão, as trevas, o escuro, tudo que se avizinhava novo e não era bom — uma legião de saudade, lágrima, pesadelo, quadro sem tinta, o olho grande do boi — Deus pensou assim: As pássaras e as fêmeas. Deixarei com as pássaras pálidas e as mulheres tristes o aconchego de todo o amor que de tão bom o mundo souber gerar. As mulheres e as pássaras gostaram daquela súbita inspiração de Deus. E convocaram as outras fêmeas, as patas, as cabras, as cobras até. E as pássaras de todas as asas, as mulheres brancas, negras, azuis, as mulheres vermelhas, rubras, combinaram o seguinte: que o amor gerado de cada um daqueles ventres seria como a noite de Deus. Um amor pra nunca mais findar! pr
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