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quarta-feira, junho 30

O penar do goleiro

O medo do goleiro diante do pênalti é um pequeno romance de Peter Handke, escrito em 1970, e que antecipava a sensação de vazio, a incomunicabilidade que caracteriza as relações nesses tempos próximos. Mas não quero entrar neste aspecto mais cético do escritor austríaco e vou ficar somente na história do goleiro.
O livro começa com Joseph Bloch, um ex-goleiro famoso, sendo comunicado que está demitido do canteiro de obras onde trabalha. Ele sai perdido, passa a vagar, e Peter Handke descreve cada coisa, detalhe a detalhe do que ele observa. Acaba, nessa busca em que nada encontra, por cometer um crime e isso torna o seu desatino mais profundo. E aprofunda o seu olhar para o mundo, pois se trata de um “romance policial psicológico”.
Wim Wenders, que tornou o livro famoso ao adaptá-lo em 1972, começa o seu filme com o goleiro e não com o operário sem destino. Coloca o goleiro diante de sua solidão, enquanto a bola está no outro ataque. Em seguida, decerto angustiado com aquela solidão, se revolta e é expulso de campo.
É a perspectiva do livro. Em certa altura, num estádio de futebol, Bloch pergunta ao sujeito que está ao seu lado na arquibancada, se ele alguma vez já tentou, durante um ataque, observar não o atacante, mas o goleiro: “É muito difícil desviar o olhar do atacante e da bola e ficar olhando para o goleiro”, pondera Bloch. “É uma visão engraçada ver o goleiro assim sem a bola, mas à espera da bola correndo para lá e para cá”. E propõe que se valorize o que se passa com o goleiro, mesmo que a tentação de voltar olhar ao ataque seja mais forte.
É uma sensação ridícula, diz Bloch, mas é uma outra forma de se enxergar, querendo dizer com isso que há outros planos de observação da vida.
Ora, por essa esquisita perspectiva, tentar acompanhar o goleiro, se teria um quadro ainda mais interessante do que vem acontecendo na África.
Qual a visão que haveria do frango de Green, o goleiro da Inglaterra? E o peru de Chaouchi da Argélia contra a Eslovênia?
Como esboçar defesa depois do braço na bola de Luís Fabiano contra a Costa do Marfim? E o gol mal-anulado dos Estados Unidos que o Handanovic da Eslovênia não evitou?
E a bola na trave chutada por Lampard, que entrou quase meio metro e o juiz não deu? E o impedimento clamoroso de Carlitos Tevez que desnorteou o México?
Mudar o campo de visão para estes seis goleiros (como queria o goleiro Bloch) não muda, entretanto, o que parece definitivo: um erro, o meu próprio erro, ou o erro de terceiro, sempre encerra uma perda, um penar, uma injustiça.
Crônica no Pioneiro de hoje.

quarta-feira, junho 23

A moça de Santarém

Lembro-me que li O Ano da Morte de Ricardo Reis ainda muito ligado afetivamente a Portugal. Fracassara meu “exílio” de 1984 em Lisboa, e eu voltara para recuperar o fôlego. Precisava continuar os estudos, arranjar emprego, e voltei a Bom Jesus para retomar a vida “filando” a comida de minha mãe.
Naquele recomeço de 1985, recebia em Bom Jesus cartas e livros dos amigos que deixara. Os portugueses têm cada uma: ora se precisava mandar apoio para o desterrado brasileiro que lhes fazia companhia nos almoços das cantinas da Universidade.
Enfim, entre as coisas que recebia, o jornal JL, uma antologia de novos autores, mandaram O Ano da Morte de Ricardo Reis. Fazia sentido. O heterônimo de Fernando Pessoa, na imaginação de José Saramago, era um Paulo desterrado ao contrário, que fizera o caminho inverso e tinha se exilado no Brasil em 1919, voltando para Lisboa nos anos 30.
Li com muito interesse e gostei do romance, que acima de tudo chamava a atenção por introduzir os diálogos em meio aos parágrafos, apenas com a primeira fala em maiúscula, sem aspas ou travessões.
Pois bem, com a morte de Saramago, senti saudade do livro e fui procurá-lo aqui entre as coisas e não há jeito de encontrá-lo. Eu sinto muito, era o simbolismo daquele retorno.
Reencontrei, por outro lado, as “cartas de Lisboa”. E há entre as coisas (além de uma nota de Cem Cruzados!!!, decerto resto do magro câmbio) uma carta de uma moça de Santarém. Clara, minha colega de universidade, de almoços na cantina, das leituras de poesia no B’Arte, no Bairro Alto.
Clara queria ser atriz. Aos 7 anos ouvia Doors e Pink Floyd. E eu nunca mais soube de Clara que recitava Pessoa e detestava as aulas de linguística do professor Abel.
Ah, Lisboa! Ah, meus amigos! D. Carmem, a senhora da limpeza da casa de estudantes (o nome de minha mãe) preparou uma torta “especialmente para o nosso adeus!”
Os portugueses são feitos dessa afetividade. São de bom coração e dramáticos. Assim, como o Saramago, embora o rótulo de “materialista”. Era um Português!
E aqui nesta borda do mar Atlântico, que de Europa só tem a ponta e o nome, espero e desespero sempre esperando e também lutando que as ideias nasçam, o mundo cresça e as prisões morram”.
Parece o Saramago. Mas foi a Clara que escreveu.

Crônica no Pioneiro de hoje.

quarta-feira, junho 16

O manto de Deus

Quando está coberta do mais estrelado céu do mundo, Bom Jesus, como se sabe, é uma fileira de colinas. É a Cidade Colina por isso. E numa dessas colinas repousa a igreja, repousa a praça e uma antiga casa de comércio agropecuário. Guardam-se lá as vacinas, as sementes de repolho, toda a sorte de remédios, antibernes, carrapatos, e as lembranças que se tem.
Nessa paisagem, acima de tudo, se vê a igreja. Projeto de um frei francês, seu desenho visto de cima tem a forma da santa cruz caída. Suor e padecer de gerações, essa cruz ali estendida tem aos pés a sua torre. Na baixa escuridão, como a espetar no céu, são sete metros de torre iluminada formando um bonito perfil.
Em contrate, há nessa paisagem uma luz miúda, uma luz que parece lamparina, dado ao seu tom amarelado, dado ao seu tom muito cansado, mas que consegue sobreviver. Essa sobrevida vem de uma falida loja e parece vir do que era a sala de retalhos, do que também já foi um provador.
A lamparina, como a outra luz, a da torre, é tímida por causa do clarão. E sob este intenso céu o que há de mais antigo são os altos chaminés. Máquinas já usadas, picumã, sem combustão, muitos canos de lata sobem dos zincos. E muitos canos de lata sobem dos telhados e uma série de cumeeiras e cumeeiras, as sacadas da Casa Canônica onde jamais se pisou.
Não se vê mais do que um prédio maior. E com essa solitária dor as ruas de Bom Jesus parecem se esconder da luz.
Não é isso o que fazem as doze janelas de um casarão de madeira?
Não deixam ver o homem que escreve, o homem que escreve com nostalgia, que descreve as mais toscas e piegas imagens, mas também as mais amadas nessa noite de frio.
Há mesmo uma claridade total sobre a fileira de colinas onde só a igreja impera.
Praça. Palmeiras. Ex-coreto. Ex-Chafariz.
Não há vento. É o frio mais seco, aquele frio intenso, sem clemência, que penetra em nossos ossos desde a concepção. Esse frio que depois põe nossos rostos em brasa, como se queimados pelo sol. Temos os rostos bronzeados do frio.
Há então esse silêncio absoluto na escuridão seca e fria de Bom Jesus. E não se vê gente. A cidade repousa. E é nesse exato instante que Nosso Senhor Jesus Cristo abaixa o seu manto. E nos dá a sua geada. O manto branco que ele toma de Deus.

Crônica no Pioneiro de hoje.

terça-feira, junho 15

Que forças derrubaram o ciclista?

Saiu hoje na Folha de S. Paulo reportagem sobre o nosso livro do Iberê.
Clica aqui: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/750277-tres-novos-livros-exploram-obra-do-artista-gaucho-ibere-camargo.shtml

quarta-feira, junho 9

A tristeza com bonita canção

Kentucky Babe é aquela canção que você põe a rodar enquanto segue a Rota do Sol e vai tamborilando a mão no volante. E você sabe então que está tudo bem, está tudo Ok, a paisagem corre ao lado.
A canção é aquela que Boo Boo Tannembaum cantarola, a bela mãe do conto de Salinger sobre um menino que se nega a deixar um bote. Boo Boo está vestida de suéter preto de gola virada, bermudas, meias soquetes e mocassins (com aquele rosto eternamente memorável sem ser exatamente bonita) e vai cantarolando enquanto se aproxima do lago.
O danado do Salinger era ótimo mesmo para criar estes bons momentos. Bom de descrição e ainda nos dá Kentucky Babe de canja no deslocamento da mulher de 25 anos.
Em um outro conto de Salinger, A fase azul de Daumier-Smith (ele está em Nove Estórias, onde também se encontram os extraordinários, Para Esmé, com amor e sordidez e Lindos Lábios e verdes meus Olhos) aparecem outras duas canções, cujas letras ficaram gravadas na mente do personagem: Sweet Sue e Let Me Call You Sweetheart.
Por curiosidade, fui ver se havia no YouTube as canções. Estão as três lá. Mas é mesmo Kentucky Babe, na interpretação de The Clovers (um grupo dos anos 50, e gravada, portanto, posteriormente ao conto, que é de 1942) que “gruda”.
E fica mesmo na cabeça enquanto você sai em retirada para Bom Jesus ao longo da Rota do Sol. E você bate então no volante, dá o ritmo tamborilando no volante e segue olhando para o horizonte. E você vê então a primeira casa, tua mãe de criação nas manhãs mais frias, as cercas-vivas tomadas de sol, um alto-falante na torre.
A primeira aula, a primeira namorada, as festas de São João, uma fogueira. A calçada de nós de pinho na praça. As peras em seu tempo, Seu Epaminondas tocando as vacas. E um Zecateca a pedalar por mais de 48 horas, e se dizendo do México, vissem os recortes do jornal.
E muitos outros rostos surgem na estrada e umas casas quase sem cumeeiras porque a fumaça empesta e cobre de um foguetório o próprio ar. Há um exército de Bom Jesus, cada feição, mesmo dos mortos, vestidos, gravatas, uns close-ups pra se guardar. Cada emoção no rosto das jovens e os rostos com vincos, mais velhos, muito aos pares, tudo no tamborilar da mão.
E a Rota do Sol se estende e está tudo bem, é só tristeza, não há nada mais.
Crônica no Pioneiro de hoje.

segunda-feira, junho 7

Lançamento Iberê

A Fundação Iberê Camargo, em parceria com a Cosac Naify, realiza o lançamento dos livros Gaveta dos Guardados e Tríptico para Iberê com o encontro Para ler Iberê – contos do Gaveta dos Guardados. Nele, Cintia Moscovich, Pedro Veríssimo, Roger Lerina, Sandra Dani e Tânia Carvalho lerão textos extraídos do volume, que reúne memórias do artista.

Em seguida, haverá sessão de autógrafos com Daniela Vicentini, Laura Castilhos e Paulo Ribeiro, autores de Tríptico para Iberê, livro que apresenta textos críticos inéditos sobre a obra do artista.
Os inscritos no evento receberão um exemplar da publicação.
Dia 10 de junho. 19h30. Fundação Iberê Camargo.

quarta-feira, junho 2

Lançamento

TRÍPTICO PARA IBERÊ
Com três ensaios sobre a obra pictórica e literária de Iberê Camargo, este livro revela um retrato do artista feito em três tempos: como um tríptico, possuem identidade singular, podendo ser lidos tanto individualmente quanto em conjunto.
Em “Iberê Camargo: o vermelho e o azul”, Daniela Vicentini discute a produção pictórica de Iberê Camargo.
Já “Los carretes en la obra de Iberê Camargo”, de Laura Castilhos, se detém nos carretéis, elemento que marcou boa parte da produção do artista.
Completando o volume, no ensaio “Que forças derrubaram o ciclista? Iberê Camargo, escritor”, Paulo Ribeiro demonstra como a literatura do artista é produzida sob a influência de sua criação plástica.
A publicação tem o duplo objetivo de incentivar a criação de novos ensaios e pesquisas sobre Iberê e sua obra, bem como estimular a produção crítica acerca da arte brasileira.

terça-feira, junho 1

Encarnador de imagens

José Bernardino dos Santos é um “corpo estranho” na cultura de Caxias do Sul. Ele nasceu em Porto Alegre (1848), passou a infância em São Francisco de Paula, e veio morrer em Caxias, em 1892. Sofria de uma doença pulmonar e, como era funcionário público, conseguiu transferência para cuidar da saúde em “melhores ares”.
Chegou aqui à época da colonização e era responsável pelo pagamento dos subsídios mensais destinados aos imigrantes. Discreto em sua função, o que talvez não se soubesse é que estava por aqui um cara “famoso”. José Bernardino pertencia à Sociedade Partenon Literário (que congregava escritores e políticos na capital), e era tido como um dos mais destacados intelectuais entre os companheiros de Apolinário Porto Alegre.
Por conta da sua convivência em São Chico, José Bernardino havia escrito um romance, Serões de um Tropeiro, que dava conta pela primeira vez dos usos, costumes e, principalmente, do jeito de falar dos tropeiros. O romance, (publicado de 1874 a 1878 como folhetim), tem “apenas” esta importância, diante de uma literatura gaúcha que sempre privilegiou a campanha, a parte Sul do Estado.
Este cara chegou, portanto, quando a imigração recém-desembarcava. Obviamente, a vida cultural em Caxias era rara. Consta que ficou amigo dos irmãos Lavra Pinto, que teriam emendado duas mesas para o seu velório, já que Bernardino media quase 2 metros.
Os irmãos Lavra Pinto eram proprietários de uma tipografia e, em 1911, já em consequência da chegada do trem e do “progresso” que a todos contagiava, veremos Arthur de Lavra Pinto como editor do jornal Cidade de Caxias (que era impresso na própria tipografia da família).
Contemporâneos de Arthur e Bernardino havia ainda dois sujeitos ligados à cultura e de muita importância. Os santeiros Tarquínio Zambelli e Pedro Stangherlin. Imigrantes, os dois chegaram aqui e (“encarnadores de imagens”, como se dizia à época para os santeiros) literalmente colocaram a mão na massa. Povoaram de santos não só as igrejas da cidade (a Imagem do senhor Morto, na catedral, é de Zambelli; a Santa Tereza é de Stangherlin), mas de toda a região. Eram muito reconhecidos em todo o Rio Grande.
Assim, creio, nestas quatro figuras se pode ter uma certa, possível representação da área das artes naquela Caxias que despontava como uma grande cidade, aglutinadora de várias etnias no futuro.

100 anos de Caxias. Este é o texto que sai amanhã no Pioneiro.