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quarta-feira, junho 16

O manto de Deus

Quando está coberta do mais estrelado céu do mundo, Bom Jesus, como se sabe, é uma fileira de colinas. É a Cidade Colina por isso. E numa dessas colinas repousa a igreja, repousa a praça e uma antiga casa de comércio agropecuário. Guardam-se lá as vacinas, as sementes de repolho, toda a sorte de remédios, antibernes, carrapatos, e as lembranças que se tem.
Nessa paisagem, acima de tudo, se vê a igreja. Projeto de um frei francês, seu desenho visto de cima tem a forma da santa cruz caída. Suor e padecer de gerações, essa cruz ali estendida tem aos pés a sua torre. Na baixa escuridão, como a espetar no céu, são sete metros de torre iluminada formando um bonito perfil.
Em contrate, há nessa paisagem uma luz miúda, uma luz que parece lamparina, dado ao seu tom amarelado, dado ao seu tom muito cansado, mas que consegue sobreviver. Essa sobrevida vem de uma falida loja e parece vir do que era a sala de retalhos, do que também já foi um provador.
A lamparina, como a outra luz, a da torre, é tímida por causa do clarão. E sob este intenso céu o que há de mais antigo são os altos chaminés. Máquinas já usadas, picumã, sem combustão, muitos canos de lata sobem dos zincos. E muitos canos de lata sobem dos telhados e uma série de cumeeiras e cumeeiras, as sacadas da Casa Canônica onde jamais se pisou.
Não se vê mais do que um prédio maior. E com essa solitária dor as ruas de Bom Jesus parecem se esconder da luz.
Não é isso o que fazem as doze janelas de um casarão de madeira?
Não deixam ver o homem que escreve, o homem que escreve com nostalgia, que descreve as mais toscas e piegas imagens, mas também as mais amadas nessa noite de frio.
Há mesmo uma claridade total sobre a fileira de colinas onde só a igreja impera.
Praça. Palmeiras. Ex-coreto. Ex-Chafariz.
Não há vento. É o frio mais seco, aquele frio intenso, sem clemência, que penetra em nossos ossos desde a concepção. Esse frio que depois põe nossos rostos em brasa, como se queimados pelo sol. Temos os rostos bronzeados do frio.
Há então esse silêncio absoluto na escuridão seca e fria de Bom Jesus. E não se vê gente. A cidade repousa. E é nesse exato instante que Nosso Senhor Jesus Cristo abaixa o seu manto. E nos dá a sua geada. O manto branco que ele toma de Deus.

Crônica no Pioneiro de hoje.