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quarta-feira, setembro 30

Leminski entre nós

Na geleia (agora sem acento) geral que caracteriza a nossa cultura, Paulo Leminski foi o mais fecundo poeta a partir dos anos 70. Além da influência do Modernismo (e o coloquialismo que a chamada Poesia Marginal incorporou), Leminski também se serviu do Concretismo, do HaiKai japonês, da leitura dos clássicos, e mais um escambau. E isso resultou em Leminski: a poesia de sacadas, plena de ironia, a expressão que parece malandra, mas que logo se disciplina pelo rigor e a razão.
Integralmente criador, Leminski mergulhou numa experiência estética que o consumiu. Morreu aos 44 anos deixando inacabada uma obra (no capricho!) que refletia o geral da geleia (o relaxo!) que o Dinarte Albuquerque Filho agora nos traz.
Leminski era um inventivo valorizador da palavra. Seu romance Catatau é a experiência mais radical da Literatura Brasileira recente. Seu mérito? Fez poesia do acaso, misturava o imediato (a imprevisão, o carnaval que é o país) ao rigor estético da expressão (representado por René Descartes, o filósofo então por aqui, no Brasil Holandês).
Multimídia num tempo em que a expressão não tinha a valorização de agora, Leminski atuou nos quadrinhos, na televisão, no jornal, na publicidade e na música popular (foi parceiro de Caetano Veloso).
É o cara. E é a sua poesia que o Dinarte – é sempre interessante ver um poeta conviver o outro poeta – faz a leitura com este título aparentemente paradoxal: o samurai-malandro.
Mas, é isso mesmo o que embasa a trajetória de Leminski. Dinarte mostrará a consistência de sua prática: o poema rápido, calor da hora, conjugado à técnica de um disciplinado criador. As sacadas do cotidiano. O rigor do Samurai.
E qual o melhor poema numa obra de tanta dubiedade? Qual o melhor do múltiplo Leminski. O revolucionário ou o malandro? Ou, quem sabe, a síntese, rigoroso-brincalhão?
“A poesia está dentro da vida”, indicava Leminski. Só que ela é feita de palavra, e a palavra é muito mais do que vida.
Por isso, valoriza-se aqui a oralidade do curitibano, este precursor do grafite, o domínio de sua construção. Dinarte lê por dentro cada poema. Mostra a hesitação que preenche a página, a pressa e a preguiça, o “saber” da sacada final.
Leminski não era de indicar clareiras, mas Dinarte as expõe. E haverá então a reinvenção de belas ideias. Poesia.
***
Este texto, publicado no Pioneiro de hoje, é a apresentação do livro do Dinarte que sai agora na feira.

quarta-feira, setembro 23

O pão e a tigela

Inútil ensinar ao cachorro apanhar o pão. Pensei nesta boa frase ao lembrar o cachorro da nossa infância. Eu nada lhe atribuí. Nenhum réquiem, nenhum minuto triste, eu não soube o nosso cachorro no seu final.
A minha mãe morta. Uma Casa de Fado em Lisboa eu já me pus a descrever. Eu já contei de uma velha tigela e daquela família querida, emprestada, que me criou. É o que, talvez, chamem de “instinto de prosador”.
Pintar é mais fácil. Iberê contava que foi procurado por um jovem que lhe pediu conselhos. Pediu para que deixasse ver como trabalhava. O velho pintor consentiu. E o resultado foi que aquele jovem viu um homem que se desesperava a procurar cor para o fundo de um quadro. Dava sua vida naquilo.
Isto era o criar.
Grande lição!
E o ensinamento ainda foi complementado: veja bem, disse o pintor, o esforço é sempre o mesmo, para quem sabe, como para quem não sabe. Há só essa pequena diferença: aquele que sabe, termina acertando. E aquele que não sabe, jamais.
Há pólvora em minhas mãos aqui. Há um rugir na solidão que pede amostra de qualquer valor. É que é idiota confessar isso, mas não sou humilde. Há uma porção de palavras que não uso. Céu, por exemplo, jamais escrevo. Falta-me a confiança e a minha desvantagem está aí.
“Aquele que não sabe, acaba errando”, dizia Iberê. Por isso, manda-se muitas vezes às favas textos que pareciam começar bem: o pão, Dick, o cachorro. A boa frase por si.
Mas, manda-se muito mais ainda o “Aluguei, desaluguei um box. Aprendi a dirigir”. “Vou tentar deixar de fumar”.
Que cansaço para quem lê!
É preciso aí palavras-tripas, do fundo do coração. Eu uso e abuso delas e, ainda assim, quase sempre erro. A um pássaro, que é nada, atribuo virtudes (Iberê não pintava pássaros). Aos porcos dos chiqueiros confiro uma força que também não há. Quase sempre erro.
Assim, sem amargura, (tomar o pão e a tigela) achar as palavras mais justas, é ainda a forma de se dizer. À força de tanto tentar se acaba achando. É a teimosia, o perseverar do velho Iberê.
Crônica no Pioneiro de hoje.

quarta-feira, setembro 16

Conto de Adaíl Hugen

Era o gato mais selvagem, caçado a fígado, bicho impossível, pelo preto-azulado, ficou sendo o BomBril. Adão e Adaíl, os fotógrafos, tentaram pegá-lo de frente, escorados, à espreita, num canto, só pegaram refilão. Revelou-se depois: era “infotografável”. Era o gato mais rápido do mundo se estourassem um foguetão.
Na Corrida de Gatos estouraram. E foi um risco, fagulha, flecha, arrebentou fio de aço e estaca, seguiu rua abaixo levando argola, pescoço, 2 mil cabeças atônitas e cruzou a linha fatal. Arrebentou mesmo o que tinha, retorceu um ferro, e mais gente lesa que atrapalhava a Chegada espalhou.
A “cancha”, em frente à matriz, era assim: 4 boxes de partida (na verdade, caixotes, engradados) e mais os homens de campana para o foguetório e tal. Os “tratadores” com suas guias e se abria, quadra em frente, a pista. Quadra de pedras, com as 4 linhas de cal. As 4 estacas de ferro cravadas ao fundo. Um fio estendido para correr na extensão. Com a argola no pescoço, a escorrer no fio estendido, o BomBril virou tufão.
Saiu das três noites preso. Bêbado da multidão. O BomBril disparou como um Opala, um coice, o fato é que enlouqueceu.
Quais palavras dizer aos gatos presos? Felicitá-los por dia tão especial?
Bêbado de Creedence Clearwater Revival, hino aos gatos nas potentes caixas de som.
Câmeras de TV. Máquinas fotográficas. À esquerda, Casa de Camisas. À direita, sapataria, Sindicato Rural. A cidade inteira presente ali. Ainda incrédulo, um cara repetia o mais óbvio, ocasional: “o gato já passou”. O dentista assegurava que, sim. Seguia o espocar de foguetes e Credence no Som.
Dois caras, então, com luvas de couro que alcançavam aos cotovelos, entram na pista e começam. Tocam como se tocam marrecas as passadas da gata. A gata branca tem manchas “por assim no lombo” e os homens, as mãos trêmulas, nervosos, ao grito de todos, incentivam a retardatária ali.
Porém, alheio ao drama da gata e dos dois homens, há um cara ajoelhado, sem o Ray-ban, como a agradecer. Ele sabe que o gato passou porque viu. Usa boina no vasto cabelo grisalho e sabe o exato instante que disparou o botão: o gato mais rápido do mundo ele tinha ali contra o peito. “Consegui. Consegui desta vez”, dizia Adaíl Hugen.
Texto no Pioneiro de hoje.

quarta-feira, setembro 9

As garrafas de Cancello

Parte hoje da zona urbana, existe em Bom Jesus a chamada Toca dos Índios, antigas casas dos caingangues que viveram ali antes da fundação da vila. Virou escavação arqueológica nos anos 1990. Removeram a terra, desencavaram em cortes precisos, resultando daquelas cinco tocas algum material de interesse.
Ocorre que as antigas tocas dos índios, em algum momento, foram utilizadas como depósito de lixo, dado à proximidade com a zona urbana. Por isso, os pesquisadores acabaram encontrando nas “casas”, além de pratos e xícaras, materiais que denunciam um Bom Jesus, digamos, já medicado. É que em meio ao entulho descobriram restos do que poderia ter sido material de uma farmácia ou de um antigo consultório.
Zeli Company, pesquisadora da PUC-RS, se interessou por aquele material. Viu nele a possibilidade de entender Bom Jesus nas dificuldades do seu começo. O trabalho resultou no peculiar texto que agora li: Os salvadores das garras da morte: medicamentos populares, medicina humoral em Bom Jesus (1898-1927).
O período escolhido corresponde a um tempo em que a medicina humoral era prática comum e a intenção é demonstrar, a partir dos fragmentos de vidro, medicamentos utilizados num Bom Jesus sem recursos e ausência de médico. A tuberculose era então o flagelo do Estado e, somente em 1914, chega o primeiro médico na cidade. Em 1919, a Gripe Espanhola. Só depois, em 1939, haverá hospital. Nesse contexto, o estudo elucida.
A chamada Medicina dos Humores explicava o aparecimento das doenças devido a uma disfunção ou desordenamento dos quatro humores do corpo humano: sangue, fleuma, bílis e atrabílis. O tratamento consistia em equilibrar estes humores através de depurativos de sangue, de purgantes, vomitórios e tônicos reconstituintes.
Em 1914, formado pela UFRGS e com especialização em Paris, o médico José Farias Cancello fixa residência no Bonja. É evidente que, por cargueiros no início, ou mais tarde motorizados, os medicamentos também logo chegam. Por isso, é bastante provável que aqueles vidros e garrafas encontrados na Toca sejam do seu consultório, ou mesmo, de alguma das farmácias que surgiram depois da sua chegada. Nos entulhos foram encontrados restos de Leite de Magnésia Phillips e Peitoral de Angico. Saúde da Mulher e Petrolina Minancora. Biotônico Fontoura, Elixir de Santo Expedito.
Assim, a partir de velhas garrafas, a pesquisa entenderá a “salvação” de uma comunidade pela prática medicinal. Bom Jesus terá sua vida reorientada. O combate à morte um tanto possível.

quarta-feira, setembro 2

Zumbi e Gershwin

Por conta da Mirella Mattos, aluna que veio de Sergipe fazer seu jornalismo aqui na UCS, fui procurar alguma coisa sobre Porgy and Bess, a peça dos irmãos Ira e George Gershwin que trata da situação dos negros nos Estados Unidos no século passado. A peça, que é um musical, é conhecida mundialmente por Summertime, uma das mais belas canções já composta.
Porgy and Bess também ganhou destaque no pré-Guerra Fria, quando foi levada à Rússia causando espanto ao estrear em Leningrado, em 1956. Afinal, era a primeira peça americana a pisar na União Soviética depois do czarismo, e o seu elenco era formado por negros.
Truman Capote acompanhou e descreveu tudo isto e a Mirella agora faz uma original leitura daquela reportagem na sua monografia em curso. E daí que descubro os bastidores da estreia em Leningrado, com os russos bastante surpresos com aquele enredo que falava de opressão, preconceito e tráfico de drogas.
Lembrei então de Zumbi, há 40 anos, em Bom Jesus. Não assisti, mas conheço a foto. Há uma fotografia da plateia, muito atenta, e à frente o famoso crítico e criador do teatro do estudante, Paschoal Carlos Magno. É um flagrante da encenação de Zumbi, dirigida por Milton Baggio, com Dario Zambelli (com o corpo coberto de graxa preta) a interpretar o líder dos negros livres do Quilombo dos Palmares.
A peça era um musical como Porgy and Bess, e incluía também elementos do folclore e da cultura popular. Para se ter uma ideia do contexto: isto foi em 1969 (recrudescimento da ditadura) e, naquele ano, além de Zumbi, foi encenada Faz escuro, mas eu canto, baseada em textos de Tiago de Mello (então exilado pelo regime) e Berthold Brecht.
Em consequência da boa acolhida de Morte e Vida Severina no ano anterior, o Teatro Estudantil vivia o seu auge, com repercussão nacional, e daí a presença de Paschoal Carlos Magno por lá.
Em 1969, encenaram ainda Nós, a Humanidade. Mas, o que marcou mesmo foi Zumbi, que com seu numeroso elenco teve dificuldades para se deslocar até Porto Alegre para a apresentação. Em seguida, começaram a surgir “certas pressões” contra o movimento de teatro em Bom Jesus. Alegavam que os “alunos faltavam às aulas” no Ginásio.
Estávamos em plena ditadura militar. E é um verdadeiro “feito” que o Festival de Teatro Estudantil tenha se estendido até 1971.

Crônica no Pioneiro de hoje.