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quarta-feira, dezembro 24

Isabel dos Ausentes

O sertanista português Cristóvão Pereira de Abreu foi quem primeiro andou sondando os Ausentes. Isso lá por 1731, quando estabelecia a nossa ligação com o mundo, que queria dizer, Sorocaba, São Paulo. Dez anos depois, as grandes terras que margeavam o Rio Grande com Santa Catarina começaram a ser distribuídas: um João, um José e um Manuel ficaram de donos daquele mundão de Deus.
As terras eram distribuídas para estimular a produção (sim, lembra reforma agrária), as chamadas sesmarias. Só que aqueles três sequer apareciam para ver a imensidão que possuíam. E daí o nome: “ausentes”. Eis a origem de São José dos Ausentes, que mais adiante virou uma vila (carinhosamente chamada de “Capela”). Algumas famílias pioneiras, como Valim, Velho e Cesa, até hoje permanecem lá.
Descobri, agora, entre aqueles pioneiros da Capela, Isabel Córdova. Foi uma descoberta que me fez prender atenção na leitura, porque essa D. Isabel era a minha “avó adotiva”.
Quando nasci, por incompatibilidade de pia com berço (minha mãe trabalhava numa churrascaria) fui morar com D. Zezé, filha de Isabel, e que havia mudado dos Ausentes depois de ficar viúva.
Fui criado por D. Zezé. Morei com os Córdova até meus 6 anos, quando D. Zezé morreu. Eu era o seu mascote. Ia à missa levado pela sua mão, Missa das seis, e D. Zezé com seu véu negro no rosto.
Por isso, por ser assim tão católica, nossos Natais eram bem incrementados. Era armado pinheirinho, Missa do Galo, tudo o que se tinha direito na volta da igreja. Era quando eu encontrava o presente que minha mãe de sangue trazia, pois jamais ela esqueceu.
Sei, está demasiado intimista este texto e, peraí, já faço o elo com os nossos “três ausentes” lá de cima, que é o que interessa. Sempre achei fascinante essa história do João, José e Manuel que não apareciam para cuidar das terras que lhes foram concedidas.
Como é ser proprietário de uma imensidão que sequer se imagina onde fica? Como é se ser dono de uma extensão de mundo que não te pertence?
O tema me fascinava e aparece em Vitrola dos Ausentes: “Os Moreira tinham milhões de campo de lugar que eles nunca tinham visitado pra conhecer”.
E um dos contos de Valsa dos Aparados começa assim: “De tanto que tinham, de nem visitarem pra conhecer”.
Esta reincidência de tema é da natureza da viração: repete-se o mundão sem dono, terra dos ausentes, a terra de Isabel.

Crônica de hoje no Pioneiro.

domingo, dezembro 14

A noiva do Sol chorou

No dia do Ato Institucional nº 5, que expandia a repressão da ditadura militar no Brasil, frei Getúlio deixou Bom Jesus. Naquela sexta-feira, 13 de dezembro de 1968, o capuchinho, transformado depois em mito, partiu no seu fusca vermelho para um concurso do magistério em Porto Alegre. O trágico final da viagem seria considerado o “dia mais triste da cidade”.
Ao lado de Getúlio seguia o capelão do hospital e professor de literatura frei Damião de Araçá. Cantor à la Tito Scrippa e poeta, Damião é o autor da “Noiva do Sol”, expressão com que Bom Jesus ficou também conhecido por conta da altitude e a beleza natural da cidade.
No domingo, no retorno, depois de uma breve passagem por Flores da Cunha para uma visita a um amigo, Seu Moro, os freis ainda estiveram na Churrascaria Alvorada, em Caxias, antes de seguirem viagem. Com eles, estava agora a professora Norma Preto e frei Remígio, também capuchinho do Ginásio.
Chovia. Seguindo pela BR 116, nas proximidades de São Marcos, bateram de frente com uma Chevrolet com placas de Caxias. Frei Getúlio morreu 15 minutos após ser atendido no hospital de São Marcos. Frei Damião, duas horas depois. Norma e Remígio, apesar dos ferimentos graves, escaparam com vida.
Romano Lino Toigo, frei Getúlio de Vacaria, antes de chegar a Bom Jesus, em 1956, passou por Rio Grande, onde foi capelão do hospital. Em tempos de João XXIII, soube se entrosar como a comunidade. Participava do CTG (um capataz que sabia latim e grego!) e prestigiava até mesmo os carnavais do Bonja. Com grande capacidade de trabalho e um apurado senso administrativo, chegou a ser cogitado para Secretário da Educação do Ildo Meneghetti. Há 9 anos estava na direção do Ginásio N. S. das Graças substituindo a frei Amadeus de Caxias, construtor do colégio que ainda hoje impressiona pela sua estrutura.
Naquela segunda-feira, os sinos tristes acordaram Bom Jesus. “A Voz Amiga”, o serviço de alto-falantes da igreja, tocava réquiens e era anunciado de instante em instante as mortes de Damião e Getúlio. Foram velados na matriz e por lá passaria toda a cidade.
Depois, em cortejo inédito, carros e ônibus seguiram para Vacaria onde seria sepultado Getúlio. Frei Damião seguiu ainda mais. Foi levado para Nova Araçá, onde repousa num jazigo da família.
Quarenta anos depois, Frei Getúlio é o nosso Ginásio. Frei Damião dá seu nome à biblioteca.
Na foto acima, frei Getúlio puxa um dos carnavais do Juventude, na década de 60.

quinta-feira, dezembro 11

Trechos de Vitrola

Para uma leitura parcial de Vitrola dos Ausentes clica aqui:

terça-feira, dezembro 9

Professora Anita

Tive notícias da minha primeira professora, Anita Piazza. Saber de Bom Jesus, nestes saldos de ano, sempre ajuda para se valorizar o que conta mesmo. Devo a minha alfabetização à Anita. Eu tenho dela as melhores recordações e carinho. Ensinou-me a ler numa Cartilha. Régua no quadro, batia em cada letra em exercícios de memória. Deixa ver se consigo:
Alexandre, Antônio, Aírton. Carlos, Cátia, David e Débora. Eliane e Elton. Gilberto, Gilmar. Itamar. Juarez. Marisa e Marlene (as gêmeas). Marta Rocha e Marta Suzin. Osmar, Paulo, Pelé e Valdemar.
Lembra? É a nossa lista de chamada, professora. A nossa sala bem de quina, à direita, no Conde Afonso Celso. (Aqui um episódio do nosso primeiro ano no Conde: lembro que “liberaram” certa tarde uma colega porque “não tinha idade”. Bateu a Inspetoria. Absurdo impedir a criança. Foi a primeira lição de solidariedade em nossas vidas. Afinal, faltavam apenas dois meses para que ela completasse os sete anos).
D. Anita é das minhas mais fiéis leitoras e ela gosta quando eu escrevo de um Bom Jesus que já não existe, o Bom Jesus que nos distancia. Do que sei, daquela turminha, apenas Aírton e Juarez (Aírton, Juarez, Elton Gessi, era o time do Grêmio em nossa sala!) permanecem no Bonja. Todos os outros partiram. A senhora sabe, D. Anita, seus filhos também partiram: é a busca do emprego, as oportunidades que nos levam.
A senhora sabe que virou nosso destino andarmos assim espalhados. Há hoje um Bonja em toda a parte. Há um Bonja por toda a Bahia, há 100 mil bonjas só aqui em Caxias!
Seguem os bonjas aí pelo mundo. E D. Anita (por sinal, Bonja adotiva; ela é de Santa Catarina) quer saber onde andam o que fazem? Não bastasse sua linda missão cumprida (alfabetizou centenas!), quer saber ainda da gente.
Se D. Anita mudar do Bonja, Bom Jesus ficará ainda mais vago. Mas, fará bem ir para perto dos seus, do carinho dos netos.
***
Uma boa notícia. Sairá mesmo em 2009 o livro sobre Iberê Camargo. É uma coletânea de ensaios e devo participar com um trabalho apresentado na PUC enfocando o Iberê escritor. Sairá pela editora Cosac Naify, que já trabalha as primeiras provas.

Texto para o Pioneiro de amanhã.

paulo.ribeiro@pioneiro.com

sábado, dezembro 6

As formas dos simples

Está disponível um estudo realizado por Rodrigo Ennes da Cunha, no mestrado de Letras da UFRGS, com a orientação de Luís Augusto Fischer, sobre Vitrola. Eis o resumo da pesquisa:

Ao longo do século XX, o Brasil passa por mutações profundas em sua estrutura social, econômica e cultural. Entre as conseqüências desse processo estão, de um lado, a formação de grandes centros urbanos e, de outro, o fenecimento de pequenas cidades do interior. Este trabalho trata de dois casos de representação da pobreza de cada um desses contextos, Vitrola dos Ausentes (1993), de Paulo Ribeiro, e Cidade de Deus (1997), de Paulo Lins, dois escritores que acompanham de perto essas transformações. O objetivo é investigar em que medida estas propostas de adequação entre forma e conteúdo, escritas em meio ao processo de redemocratização política do país e da popularização crescente da cultura de periferia das grandes cidades, correspondem a um novo momento na representação da pobreza na Literatura Brasileira.
Para acessar a dissertação na íntegra:
http://hdl.handle.net/10183/5837

terça-feira, dezembro 2

La caccia

Quando as pessoas diziam não gostar de Iberê Camargo porque ele era muito impetuoso, o pintor respondia: “mas eu faço arte. Não faço a vida”. Embora em Iberê se tenha confundido de fato arte-e-vida como indissolúveis, a resposta tinha a sua razão de ser. Em sua “busca” ele empastava as telas como uma intervenção mais que sutil na realidade, para dizer que aquele exagero de tinta na tela era a Arte, não o Homem Iberê.
Reli agora um texto de suas memórias, Cartão de Natal. O que precedeu a tragédia de sua vida (o pintor matou um homem que o agrediu naquela tarde em Botafogo) foi a sua decisão em “sair comprar” cartões pintados por meninos pobres. Ora, é quase básico que obra não é autor, ou que deixa de ser do autor (alguns lapsos de personalidade talvez fiquem; e isto é o que me salva de não ser coerente com a crônica anterior) no momento em que está concluída. Torna-se outra coisa muito além da imaginação e mãos que as tenham construído.
Querem ver? Ennio Morricone, por exemplo, é um cara calmo, aquele avô que todos gostariam de ter para só ficar ouvindo. Este temperamento contido de Morricone, no entanto, extrapola nas centenas de trilhas que fez para filmes, clássicos que sempre vão de uma inicial suavidade — um assovio, um clarinete, uma gaita-de-boca — a um estressante final. Ao mirar que enerva de tão contido e que antecipa os enfrentamentos, os duelos.
Dos westerns (e se encontra a cena no Youtube), talvez o duelo mais inverossímil — e também talvez o mais enervante — é aquele de O dia da desforra, de Sergio Sollima. É um duelo inusitado. Cuchillo, o mexicano que está sendo caçado injustamente (e as leituras críticas apontam ali uma tremenda invasão do território mexicano pelos EUA, emblematicamente expresso nesta caça obsessiva a Cuchillo), na hora do enfrentamento pede ao xerife que lhe dê uma faca para duelar com o oponente. Quem venceria um duelo de faca contra revólver???
Pura capacidade imaginativa, pura arte, e de fundo uma das mais belas composições de Ennio Morricone. La caccia, que expõe a tensão, que enerva por alargar os segundos com sua sinfonia moderna. Aquele nervosismo melódico que Morricone tirou de John Cage que era apenas som. Morricone faz a melodia retomar a prioridade, deixando a incidência dos sons, ruídos, estalos, como coadjuvantes.
Achou a fórmula. E achou bem mais ainda em Era uma vez no Oeste. Sempre há uma caça, no sentido de busca, e os duelos finais são apenas os melhores detalhes. Ruídos em meio a histórias imaginadas.