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sexta-feira, maio 27

Sobre O tal Eros Só

Há duas grandes vertentes, duas linhas de força centrais na produção literária: a narração e a invenção. A narração é o partido dos que pretendem “contar uma história”, e costuma ser mais popular no presente e mais desdenhado no futuro. A invenção é o time dos que pretendem, por meio de seu trabalho, descobrir novas formas de contar uma história, fazer o que se pensa ser impossível em termos formais — embora menos lidos em sua própria época, esses vão sendo redescobertos à medida que aquilo que eles fizeram primeiro começa a se contrabandear para dentro do mainstream literário como prática. A divisão é apenas para fins de categoria, lembrando que entre esses dois extremos, a bem dizer bem pouco povoados, há uma multidão intermediária que alia as duas coisas: tentando descobrir uma forma fresca e nova e que seja ao mesmo tempo a melhor para estruturar aquela história que gostaria de contar.
Embora os dois grupos reivindiquem prevalência um sobre o outro cada um com ótimos argumentos, minha opinião é, antes de ser murista ou conciliadora, de síntese: as duas são necessárias, cada qual com sua função para garantir a vida de um sistema literário (note que eu escrevi um “sistema”, não um “mercado”. O mercado é outra coisa, estou falando aqui de livros de valor literário, não comercial, mesmo entre a turma que inventa menos na forma). Os grandes narradores são aqueles responsáveis por cativar a maioria para a literatura, enquanto os inventores questionam a validade de repetir o antigo e tentam encontrar o novo, de fazer algo que em um primeiro momento choque, surpreenda, pareça absurdo ou provoque admiração mais pela enormidade técnica do feito do que por sua fruição.
É definitivamente a esta categoria que pertence a desconcertante novela O Tal Eros Só – Osso Relato (BelasLetras), do gaúcho Paulo Ribeiro. Uma narrativa em que boa parte de seus capítulos é escrita em forma de palíndromo. Palíndromo, acredito que vocês saibam, são palavras ou frases que, graficamente, apresentam as mesmas letras na mesma ordem da esquerda para a direita e da direita para e esquerda, permitindo uma leitura de trás para diante idêntica à do sentido normal da leitura. Podem ser palavras, inclusive nomes como Bob e Menem, até sentenças mais longas, frases espelhadas das mais simples e quase infantis, como “Roma me tem amor” ou “A bola da Loba“, até exemplares sofisticados como “Assim a aia ia à missa“, de autoria de Millôr Fernandes, ou “Rir, o breve verbo rir“, do cartunista Laerte. Consta que o mais antigo palíndromo do mundo é a frase latina Sator Arepo Tenet Opera Rotas – que, voltando aos exemplares máximos do experimentalismo literário nacional, serve como base estrutural para o intrincado romance de Osman Lins, Avalovara.
Compôr uma frase palindrômica já é bastante complexo (sobre as agruras e as delícias de compôr palíndromos, a propósito, recomendo esta excelente reportagem de Vanessa Bárbara no número 2 da revista Piauí, que pode ser lida online no site da revista). O que Paulo Ribeiro faz em O Tal Eros Só — Osso Relato, é ainda mais impressionante porque ele consegue tecer capítulos inteiros que podem ser lidos de trás para frente. Claro, com tal proeza técnica,nem sempre o sentido do que se lê é claro — em alguns momentos duvida-se até que algumas daquelas frases tenham algum sentido, mas mesmo essa dificuldade imposta pela forma é contornada na montagem do romance. Os capítulos em palíndromos formam a segunda parte do romance — que vem a ser a parte do romance escrita por seu protagonista, Sore, empregado de uma marcenaria que, de tanto pensar, delira e é visto com estranheza e desconfiança pelos que o cercam. A história de Sore é narrada na primeira parte em uma prosa com a densidade poética característica de Ribeiro, mas sem o recurso formal dos palíndromos. Na segunda metade do romance, temos a visão palindrômica de Sore feito Eros, e o que se lê é um texto muito aproximado da poesia, tanto a lírica quanto a mais experimental, dadaísta.
Uma realização formal que nada fica a dever aos rigorosos exercícios do grupo francês Oulipo, do qual faziam parte Raymond Queneau, autor do clássico Zazie no Metrô, e Georges Pérec, autor de La Disparition, um romance de 300 páginas escrito sem que a letra “E” apareça – uma façanha considerável, uma vez que em francês, bem como no nosso português, é uma vogal de grande incidência no idioma.

Texto de Carlos André Moreira, no blog Mundo Livro, de Zero Hora (25.5.2011)