As queimadas e os tatus
Indaguem ao pecuarista sobre a divisão de invernadas ou uma forma mecanizada de renovar o pasto, uma roçadeira adequada, por exemplo. Ele dirá que é um custo inconcebível para quem vive na eterna luta por melhores preços para o quilo do gado.
Saia-se desta.
Boi, vaca. A perdiz e as lebres. Os tatus que precisam sobreviver às queimadas...
É o dia do tatu na minha crônica.
Quando pensei que tatus me renderiam assunto?
Enquanto escrevo, sei da morte do escritor argentino Rodolfo Fogwill. Ele é o autor de um livro sobre a Guerra das Malvinas, que trata de um grupo de desertores em pleno campo de combate. São os Pichicegos (o título do livro, e como os tatus são conhecidos em algumas regiões da Argentina), pois vivem em uma espécie de subterrâneo, tentando tão-somente salvar a vida naquela inconsequente guerra.
Em 1982, o general Leopoldo Galtieri promovia aquele absurdo confronto com a Inglaterra, uma forma desesperada de fortalecer o regime então enfraquecido. Queria retomar as ilhas Falklands, situadas em sua costa, e em poder dos ingleses desde 1833.
É nesse contexto, e jogados num cenário de frio austral inclemente, que os jovens argentinos de Fogwill atuam. Os Pichicegos agem como uma espécie de tatus, com suas carcaças duras enfrentando o frio, a falta dágua e a fome. Racionam o que há de cigarros a sentimentos. Sim, pois entre eles não há mais lugar para qualquer comoção, íntima, patriótica, o que seja. Interessa apenas sobreviver àquele absurdo em que foram jogados.
Em 1982, em Porto Alegre, na JUC Casa 7, recebíamos muitos argentinos que também desertavam daquele desigual confronto. Eram “pichis” com mais sorte. Acolhidos numa república de estudantes, saberiam da nossa incipiente volta à democracia, de um certo Cio da Terra, como aqui se ouvia Mercedes Sosa e Milton Nascimento nos duetos emocionantes.
Desejavam, quem sabe, naquele momento, como um dos protagonistas do livro de Fogwill, ser brasileiro.
Crônica no Pioneiro.
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