O mito ao contrário
Poderá se pensar que escrever um livro-palíndromo é andar de costas, como faz Sore. Mas tanto para Paulo Ribeiro como para Eros a ação surge natural, não é para ser difícil ou incompreensível. O que pode ocorrer é a falta de um dos elementos da tríade autor-obra-público explicada por Antônio Cândido em Formação da Literatura Brasileira, de 1959. Não há dúvida sobre a consistência de autor e obra. Quanto ao público, este deve, no mínimo, ler a introdução, que certamente irá instigá-lo a ir adiante.
A primeira parte de O tal Eros só conta uma versão do mito de Eros amaldiçoado por seu pai, Zeus. Sore é um jovem excêntrico. Filho de Zeda e Otto, namorado de Alma, aluno aplicado que, entretanto, não gosta da repressiva Matemática ensinada pelos freis. Após sua morte – “Ciclista que transita de costas é atropelado na BR”, Alma descobre uma caixa com os textos de Sore. Começa, então, a segunda e melhor parte do livro.
A caixa cheia de poemas aberta pela namorada é como uma caixa de Pandora de onde sai o caos linguístico de frases que podem ser lidas no sentido contrário. Para Eros, o caos é o mundo ideal, e no caos sua expressividade atinge o auge. Os palíndromos de Paulo Ribeiro mostram um Sore contemplativo, que passa tempo no café, lê jornais e conversa laconicamente. As poesias são repletas de ah!, é, ôh!, interjeições típicas de quem observa a realidade e escuta e responde as indagações daqueles que o rodeiam. Na epígrafe, o autor seleciona um trecho de O Banquete, de Platão, que diz que tudo que Eros “consegue pouco a pouco sempre lhe foge das mãos”. Mas é na República que podemos entender a poesia de Paulo Ribeiro. Platão não diferencia o poeta do filósofo. O raciocínio filosófico, mesmo em versos, permanece filosofia. E O tal Eros só pode ser compreendido como uma filosofia erótica, niilista talvez, de poemas enxutos e concisos e, em raríssimos momentos, imperfeitos. A junção de lh no verso “em olho, olho-me” do primeiro poema gera uma ilusão de ótica que enganou até mesmo o autor. É metafórico, como todas poesias, que ao falar do olhar a visão seja embaralhada pelas consoantes. É na busca por um significado além do proposto que reside a maior riqueza de Osso relato.
Texto de Paula Sperb. Jornal O Caxiense deste final de semana.
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