Penico quadrado
Para “convencer” Iberê a ceder a ilustração levei o Glaucha, que era a única coisa que tinha, e era “experimental”. Uma semana depois, ele não me poupou: “não sei por que ao invés de dizer faca, você diz colher”.
Ih, pensei, achou o livro “penico quadrado”, que era a forma de Iberê ironizar a arte moderna, mais ligada às instalações então muito em alta. Ele achou que é “penico quadrado” e não vai ceder qualquer imagem.
Nunca disse se gostou ou não. E também leu o Vitrola no original e acabou autorizando uma de suas telas para a capa.
Tempos depois, apareceu num jornal de literatura de Curitiba, Nicolau, um texto de Iberê que é uma crítica ao vazio da comunicação em nosso tempo. Vejam:
– Anui, Rabota.
– Anui, Viragato – respondendo o cumprimento de Rabota.
Ambos param à beira da calçada, em frente da Livraria do Globo, melhor, de seu antigo prédio.
– Teri mure viroto copata?
– Sorô, sorô, fatulim rebentim.
– Bentum, bentum, Viragato.
Rabota apoia-se no guarda-chuva e com voz de flauta, quase assobiando, piu, piu, sissifô, fu, fu, fu, prossegue agora quase assoprando.
Viragato desvia o olhar de seu interlocutor e se distrai na contemplação de uma pequena aranha que desce de um fio, como acrobata de circo, da arcada da porta da livraria. Depois, concentrando-se, prossegue:
– Rabota, Rabota, renoê, rebinô, suravaca, sunurico, rebutoco, chocaraco!
– Ti, ti sfrigo!
– Pregunça! Putotanca! – Os dois filólogos conceituais se encaram, olho no olho, e se separam visivelmente irritados.
***
Iberê, apesar de toda a explosão criativa de suas telas, era um nostálgico. Um nostálgico do discurso linear, das ideias bem postas, redondas. Mas, como era generoso, foi capaz de ceder uma de suas telas para a capa de um “penico quadrado”.
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