A erosão que edifica
Não há nada mais universal do que a relação amorosa. E vou já citar o poeta: “Não sei inventar mistérios/nem criar novos enredos. Não sei desenhar mapas/nem multiplicar segredos... desde sempre escrevo.” Quer dizer: o tema ultrapassa os tempos e sobre ele versaram. É com esta constatação que João Claudio Arendt vai nos conduzir no seu primeiro livro Plural da Ausência.
O amor e o tempo. Como conjugar isso? Indicar, além disso, certa posição para os amantes. É, talvez, a matéria mais difícil, porque, ao mínimo deslize, se cai no piegas. João Claudio sai bem do desafio, provavelmente pela sua condição de quem conhece a poesia por dentro (é professor de Letras). E se percebe mesmo em sua poesia estratégias apreendidas do romântico Junqueira, de Bilac, dos modernos Drummond e Vinícius. E nem estou a vasculhar se há Homero (quem sabe é um Ulisses em seu retorno a percorrer o poema-longo). Mas há algo de Ferreira Gullar (ecos de Traduzir-se), da lâmina de João Cabral, um clamor pessoano a pedir que contemos as nossas desditas (próprias ao amor) e não as glórias. João Claudio organiza um longo-poema que vai como as águas, atento à ânsia. “Não colhas a rosa/antes do botão. Nem comas o fruto, antes da maturação. A espera poderá ser longa/e mais longa a decepção”. É um alerta tipo Ovídio.
Há coerência entre o que escreve e o que pensa das relações. Não há poemas desprendidos, há um conjunto na erosão. Essa noção de espaço e tempo (Quero, na hora precisa/do poço/a sede constante), este “sistema” organizado de Plural da ausência é o que também afasta João Claudio daquela poesia erótico-amorosa que enfileira poemas para apenas explorar o corpo, ou chorar um amor perdido.
A noção de sistema, a construção que sabe aonde chegar, não ao ceticismo, mas à evidência, é o mais singular deste Plural da Ausência.
Crônica no Pioneiro de hoje.
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