Clarineta no solo
As entrevistas eram boas mesmo. Uma delas, com Paulo Mendes Campos (dos mais interessantes cronistas que tivemos), vai me proporcionar aqui uma dobradinha com o Erico Verissimo. Em janeiro de 70, Paulo Mendes já falava da perda de relevância social da literatura, atribuindo a outras formas de expressão, como a televisão que começava dar as cartas, o papel de formar opinião que os autores tiveram.
De fato, Jean Paul Sartre talvez tenha sido o último autor a ter voz efetiva com relação às questões sociais. Vá lá, a polêmica García Márquez X Vargas Llossa (quando Llossa rompe com Cuba) ainda rendeu assunto. Mas, a partir daí, é uma ou outra manifestação do Saramago e ficamos nisso, salvo engano.
(Aqui na paróquia, então, basta chamar artista para opinar, falar de algum assunto como a alteração do Fundoprocultura, que já vira chateação, dois ou três e-mails).
Pois bem, chegamos ao cruzamento das minhas leituras, na interlocução do Paulo Mendes com o Erico. Estou também relendo Solo de Clarineta, as memórias do Erico. Quando morreu, em 1974, ele estava escrevendo sobre o ano de 1959, a viagem que fizera por Portugal e Espanha. O capítulo sobre Portugal era o que eu buscava, pois também já andei por Beja e queria bater a impressão que tivemos.
À época, 1959, Portugal estava sob Salazar e a ditadura. Durante a visita, corre pelos gabinetes que a oposição está “usando” Erico. Logo, como estratégia (e chega aos ouvidos de Erico), o pessoal do “conselho” o acompanhará com “profundo entusiasmo”, o aplaudirão não importa o tema da palestra.
Por dentro da história, em Beja, Erico fará um discurso “com o maior fervor” contras as ditaduras civis ou militares, exigindo respeito à “pessoa humana” (nota: não é pleonasmo, é a “dignidade da pessoa humana”, que está no Direito). Foi muito aplaudido.
Já na Espanha, ao lembrar Clarice Lispector durante uma apresentação de dança flamenca, Erico sugere que o equivalente musical da escritora estaria nas composições de Messiaen, no Quarteto Para o Fim do Tempo. Na altura desta analogia (vejam a coincidência nas memórias), Erico morre. Deixa apenas os rascunhos.
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