OBRA     AUTOR
         


Vitrola dos Ausentes
Clique aqui e leia um trecho.


Nova Edição



Clique aqui e leia.


DEMAIS LIVROS


Glaucha
Clique aqui e leia um trecho.



Iberê
Clique aqui e leia um trecho.




Valsa dos Aparados
Clique aqui e leia um trecho.




Missa para Kardec
Clique aqui e leia um trecho.



Quando cai a neve no Brasil
Clique aqui e leia um trecho.


Cozinha Gorda
Clique aqui e leia um trecho.


As luas que fisgam o peixe
Clique aqui e leia um trecho.

Coletâneas


Meia encarnada, dura de sangue
Clique aqui e leia um trecho.



Cem Menores Contos

Clique aqui e leia um trecho.



Contos Cruéis

Clique aqui e leia um trecho.



Contos do Novo Milênio

Clique aqui e leia um trecho.




 

sábado, setembro 27

A Lenita de Júlio

O meu primeiro livro na internet teria de ser um supra-livro, uma boa história e estilo que me convencessem a torrar de tela em tela, o que é um saco. E, finalmente achei um dessas grandes figuras da nossa literatura, o bisavô do Ivan Lessa e trisavô da Juliana, como aprendi aí na wikipédia.
Ele foi um ardoroso abolicionista e só por aí eu o tenho em alta conta — além de ter legado a bandeira que é hoje do estado de São Paulo, concebida para ser a bandeira brasileira, tão logo o fim da escravatura e a República que nascia.
Estou falando de Júlio Ribeiro, o escritor naturalista (eu sou mesmo uma contradição, quando agora só se fala em Machado, eu venho aqui com o Júlio Ribeiro, que é escancarado o que Machado fazia com sutileza). JR assombrou os leitores e a igreja (em minúsculas, claro) em 1888, ao lançar a sua noveleta A Carne.
A descrição do bonito corpo de Lenita é feita de uma simplicidade e de uma sutileza tão aberta, e Júlio Ribeiro alcança tamanha plástica que provocou a ira de um certo padre Senna. A coisa descambou à polêmica.
O padre teve uma nesga de genialidade e lança o ataque com um texto intitulado: A carniça.
Julião contra-ataca, tascando no padre um “urubu” sem meias-palavras.
Chega de blá e vamos ao trecho da Lenita do cara:

“Depôs a espingarda e junto dela o chapéu de palha, de abas largas, que a protegia nesses passeios, começou a despir-se.
Tirou o paletozinho, o corpete espartilhado, depois a saia preta, as anáguas.
Em camisa, baixou a cabeça, levou as mãos à nuca para prender as tranças e, enquanto o fazia, remirava complacente, no cabeção alvo, os seios erguidos, duros, cetinados, betados aqui e ali de uma veiazinha azul.
E aspirava com delícias, por entre os perfumes da mata, o odor de si própria o cheiro bom de mulher moça que se exalava do busto.
Sentou-se, cruzou as pernas, desatou os cordões dos borzeguins Clark, tirou as meias, afagou corrente, demoradamente, os pezinhos os breves em que se estampara tecido fino do fio de Escócia. Ergueu-se, saltou das anáguas, retorceu-se um pouco, deixou cair a camisa. A cambraia achatou-se em dobras moles, envolvendo-lhe os pés.
Era uma formosa mulher.
Moreno-clara, alta, muito bem lançada, tinha braços e pernas roliças, musculosas, punhos e tornozelos finos, mãos e pés aristocraticamente perfeitos, terminados por unhas róseas, muito polidas. Por sob os seios rijos, protraídos, afinava-se o corpo na cintura para alargar-se em uns quadris amplos, para arredondar-se de leve em um ventre firme, ensombrado inferiormente por velo escuro abundantíssimo. Os cabelos pretos com reflexões azulados caíam em franjinhas curtas sobre a testa indo frisar-se lascivamente na nuca. O pescoço era proporcionado, forte, a cabeça pequena, os olhos negros vivos, o nariz direito, os lábios rubros, os dentes alvíssimos, na face esquerda tinha um sinalzinho de nascença, uma pintinha muito escura, muito redonda.
Lenita contemplava-se com amor-próprio satisfeito, embevecida, louca de sua carne. Olhou-se, olhou para o lago, olhou para a selva, como reunindo tudo para formar um quadro, uma síntese.Acocorou-se faceiramente, assentou a nádega direita sobre o joelho esquerdo erguido, lembrando, reproduzindo a posição conhecida da estátua de Salon, da Venus Accroupie.
Esteve, esteve assim muito tempo: de repente deu um salto, atufou-se na água, surgiu, começou a nadar.O lago era profundo, mas estreito. Lenita ia e vinha, de uma margem para a outra, do paredão ao açude, do açude ao paredão. Passava por sob o jorro e dava gritos de prazer e de susto ao choque duro da massa líquida sobre o seu dorso acetinado.
Virava de costas e deixava-se boiar, com as pernas estendidas, com o ventre para o céu, com os braços alargados, movendo as mãos abertas, vagarosamente, por baixo da água.Voltava-se e recomeçava a nadar, rápida como uma flecha.”