O ex-escritor
Escrever quer dizer criação, vida que se imita, luz num parto cruel. Disso deixei: a escrita de ficção.
Quer dizer então que não acredito mais no poder da palavra? Seria uma contradição se pensasse assim. Eu morreria de fome, eu vivo da palavra, eu vivo de aulas e algumas publicações.
Eu deixei de escrever exatamente porque com as palavras eu nunca brinquei. Elas não admitem a repetição, elas não admitem ser saco de pancada de quem talvez tenha esgotado o que dizer.
Preciso viajar. Flávio Loureiro Chaves, que é um leitor dos mais críticos, já um dia me falou: tá tirando leite de pedra! E acho que ele disse bem, se acaso se referia a Bom Jesus.
Parto cruel. Além de ser difícil escrever (leiam Drummond, lembrem Drummond!) eu apostei muitos anos de vida a fugir do linear, afastar o convencional.
Escrever é: ter uma boa história, ser convencido pela história, narrar a história de forma a impressionar.
Foi disso que deixei: impressionar!
De que adianta rebater no aniversário de uma mãe morta, qual o efeito que isto na minha vida faz??? Nenhum. Chegou de confissão.
Também conclui que jamais alcançarei a fama, o objetivo de todo o artista, escritor, enfim. Eu me resignei. Deixei de escrever (como acho que Iberê não deveria ter pintado numa fase em que sua obra só patinou) e posso me dedicar agora a outras coisas: aprender a dirigir, ouvir mais música, ficar mais atento à minha pedra no rim.
Pedra no rim dói. Nada escrever, não. Não escrevo desde outubro. Já tô até acostumando. Se foi pras cucuias que escritor não vive sem escrever.
Estou vivo.
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