Seu Berato
Seu Berato está escrevendo um livro: serão passagens da sua vida que, contou, escreve a lápis e na ordem cronológica. Já passou pela Revolução de 23, lembra em 30 Getúlio tirando Washington. Tem histórias de leão, confrontos e jaguatirica.
Seu Berato nasceu no Barreiro, um riozinho em Bom Jesus. Morava em Gramado antes, fica agora em São Virgílio, Caxias. A mão esquerda, a das notas, tem apenas de sobra dois dedos. Ainda assim toca a viola. Toca aquela canção da “saudade”, autoria do Seu Bite do Bonja.
A primeira vez que ouvi falar do Berato foi num papo, uma pesquisa com o Seu Bento. Seu Bento Jacoby tinha uma gaita-ponto, era carpinteiro e marceneiro. E Seu Berato lhe acompanhava: tocava com ele nos bailes e entendia igual de madeira. Era homem das serrarias, foi por lá que decepou os três dedos. Na serra-fita, faz anos, mas preservou bem a saúde. Seu Berato ainda ensaia que dança, põe no ritmo o Benedito Lacerda: “Soltei o primeiro pombo-correio”, assim vai...
Foi através de sua nora, Iracema, que conheci Seu Berato agora. Berato Ribeiro. Teria algum parentesco?
Iracema, que tem apenas 20% da visão, ouviu alguma coisa que escrevi e está gravado lá na Apadev. Um conto de bailes, no Valsa dos Aparados. É a história de um gaiteiro que caiu no palco e ainda assim tocou deitado. E um outro num pandeiro. E um outro na viola, exatamente chamado Berato!
Era este?
Era. Comprovei no domingo. Seu Berato tocando e cantando e nenhuma das canções era gaúcha: são músicas dele, do Joubert de Carvalho. Cantou como Carlos Galhardo, um repertório dos velhos boêmios.
“Morena os teus olhos divinos...”
Seu Berato canta, sorri e escuta tranqüilo. Seu Berato tem 106 anos e tá melhor que o Niemeyer.
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