Luterano-umbandista e crismado
Locatelli é o nosso Michelangelo, eu disse.
Mas, esse exagero não vem ao caso. O que interessa mesmo que eu comecei dizendo que estava ali, admirado com a suntuosidade da igreja, mas que eu era um luterano. Mais que um luterano. Um luterano-umbadista.
Fato: quando minha mãe, mão solteira, inventou de me batizar, o vigário de Bom Jesus disse, nananinanã... mãe solteira, tô fora!
Minha mãe voltou então para a churrascaria onde trabalhava, triste, e contou a conversa com o padre. Sua patroa, luterana, disse, deixa conosco.
E fui batizado na igreja luterana. E, minha mãe, agora percebo, deve ter pensado em dar uma lição no padre, e convidou para o meu batismo em casa o maior cara da Umbanda em Bom Jesus. Meu padrinho João Maria e sua doce Lelé, negros, as figuras mais amadas que cruzei na vida.
Mais tarde, ironia, numa escola franciscana, eu era dispensado das aulas de “catecismo”. Achava uma discriminação me liberarem antes do término das aulas, porque havia Religião. Eu ficava sentado no muro, do lado da janela, ouvindo o que é que se passava com os meus colegas.
É que eles iam ser crismados. E eu falei pra Irmã Dulce, a irmã que me presenteou com uma Bíblia que ainda guardo, que também queria fazer parte da lista.
Não dava. Cadê a tua certidão de batismo?
Como eu insistisse, deram um jeito. Me levaram de contrabando pra Lagoa Vermelha e, lá, acabamos enganando o bispo.
Voltei pra Bom Jesus da seguinte forma: luterano-umbandista, crismado na católica.
Hoje, depois de ter ultrapassado a minha longa fase de agnóstico, digo que sou espírita.
Falei estas coisas lá na igreja, com aquelas imagens de fundo e sendo mesmo um legado. Admiro isto na Igreja Católica: a sua valorização da arte.
E vocês? Vocês conhecem fiel mais infiel. Ou um infiel com tanta fé como este que vos reza???
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