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terça-feira, setembro 18

Boneco molão saiu do fogo (ou a história de um incêndio nos 17 rádios)

O João Surdo botou 17 rádios na rua pra ouvirem a furiosa notícia do carnaval do incêndio.
Foi na ocasião da rainha:
Elegeram a rainha e — rainha eleita, justo, merecido — a Guadalupe saiu erguida num cordão organizado.
E trouxeram um rei pra Guadalupe entronizar.
Um esqueleto de namorado dela. E parodiaram esse rei-esqueleto na pessoa de um molão.
Um boneco, um manuseado rei, marionete, e troçavam com ele nas cordas como o São João Maria na imolação.
Bem manipulando e hereges, em poucos minutos fizeram o maior cortejo pra morto que já se viu. Com alto-falantes e tudo.
Guadalupe tinha esse nome em homenagem à santa mexicana da anunciação. É que sua mãe, Dona Maria Lura, a famosa Formiga, doceira, era muito forte em devoção.
Guadalupe tinha uma filha para criar. Se chamava Tuca a guria.
E, bem no carnaval, a casa delas queimou.
Ficou a Tuca lá dentro e a Virgem de Guadalupe no pedestal.
E daí que se encapuzaram e foram fogo adentro como se o cordão do carnaval.
O que seria salvo do fogo era pouco, em dois minutos de conversa já dava de dizer.
Mas os rádios do Seu João Surdo tinham a mania de encompridar o incêndio.
E a Santa e aquele cordão de moreno que lá pra dentro do fogo entrou demorava quase uma manhã no noticiário.
Cada idéia! Ora, botar rádio na calçada, ora arrumar capuz em dobra!
Foi o que fizeram. Os encapuzados dos sacos cada um deles pra dentro do fogo.
Por causa daquele engano de forno e cheiro de doce em louro já iam a se espalhar.
Um incêndião bem de madrugada. Tinha pegado fogo na casa e tiraram a velha ligeiro e não me esquecem justo a criança, o principal.
A criança, uns docinhos e a Virgem de Guadalupe ficaram lá dentro do fogo e o que tinha de homem e mulher já chegaram apressados pra ver o jeito de ajudar.
Em fogo nunca se sabe, e foi uma engomadeira que tomou a definição: enfiassem em dobra cada saco no rosto e entrassem pra dentro do fogo e vissem lá dentro se podiam tirar com vida o que se pudesse ver.
Andavam junto lá dentro atrás de nada e já não havia entre eles cordialidade, porque em incêndio, até debaixo de chuva, de noite, um ou outro pega sempre a se irritar.
Acompanharam junto do padre a casa velha a queimar, coisa mais triste, os morenos entrando lá dentro e andavam naquela missão.
Ostrinha derretia assim na pedra, tanto era o calor.
Remédio, vidrinho explodia lá dentro.
E o que era de mais pra doceira, bandeja, travessas de entrega, se arranjava de novo depois. Que se pensasse agora na neta e o resto se ia arranjar.
Um Leônidas tinha dito com razão esses conselhos e a Formiga tinha os braços da filha em torno do corpo inteiro e suado, chegada do Carnaval.
E choravam naquele foguetório. Chuva mesmo de cartucho subindo, e assim é que descobriam que a Maria Lura tinha espingarda por casa.
A doceira tinha a sua filha, a neta, uma cicatriz com fiapos e uma espingarda.
E tava ali afligida por tudo. Que não se envergonhasse por isso.
Que ela se acalmasse, iam dominar o fogo, tinham tomado do fogo metade do sobradão.
E um Vital que voltava de estômago ardendo do incêndio, esse Vital pegando fogo foi tomar água numa torneirinha.
O Vital já todo queimado, mas trazendo a vestimenta da guriazinha.
Agora sim.
A Tuca desnuda lá dentro do fogo e o Vital sem poder falar se tinha visto a criança bem. Se dormia ou coisa assim, porque era de noite.
E um belga lascou “olha lá” pro povo, porque um outro moreno voltou correndo do fogo dizendo que tinha visto a Tuquinha, sim.
E a doceira, nem se lembra, nos braços de quem desmaiou.
Tava viva a menina e, como em prática de incêndio, a guria veio puxada na afobação. Ia pra uma caixa de papelão.
Agora era controlar a hora da água e nas três torneiras botaram mangueira e fincavam água no que era madeira com bastante pressão.
Um sapatinho azul anil subiu pra cima com o borrifo e o que era de prego e prato e copo ganhava impulsão.
Só se desviava a água do que fosse dinheiro.
Que noite! Com uma caixa mesmo do fogo, o terceiro moreno (o Luís S. do Záide?), cabeçudo de fogo, voltava irreconhecível.
Era. Era o Luís S. que vinha inchado.
Parecia com aquela figura de São João Maria ardendo no fogo que o padre tinha atrás do altar.
O corpo ao menos do Luís S. vinha bêbado num ergo fogo, escapo por baixo e grudadinho na caixa que a criança tinha dentro.
O Luís S. tinha bebido na hora do incêndio, bebia toda hora, e fazia essa exibição no fogo que lhe passava na cabeleira.
Era o homem do Sete Baiano, o mal-visto do Pôquer Itália e virado um divertido ao sair com a criança na caixa do incêndio afora.
Festejando, de brasa fantasiado, e como um boneco molão de novo gritava: foi um milagre que eu fiz!
Foi uma milagre dele... esqueleto de carnaval! E os rádios diretamente ligados em Porto Alegre depois diziam que um operário do Curtume tinha salvado uma criança de um incêndio no interior do Estado.
***
(Esta história deveria fazer parte de Valsa dos Aparados —o meu livro de contos sem desfechos— mas sobrou.)