A lixeira dos ausentes
Na São José dos Ausentes real e ficcional acabaram as serrarias. A saída era partir. A vitrola do título, portanto, é um dos utensílios da mudança de uma daquelas famílias no imenso êxodo depois do pinheiro. Por isso, é a vitrola da ausência, da saudade, a vitrola dos que ficaram e da falta de perspectiva. É esta a trilha, em voz, que roda no meu disco. Cada faixa do vinil roda a fala de um ausente e assim o livro se faz.
Nos anos 70, em pleno Milagre Econômico, buscaram os grandes centros. E já no final dessa década, exaurida a madeira, se introduziu por lá a maçã, na carona do que Palombini começara em Vacaria. E, de fato, hoje, é um dos poucos “horizontes” nos arredores de Bom Jesus: a colheita da maçã. Quatro ou cinco meses de ocupação.
Na quinta-feira, pra minha tristeza, vi esta falta de perspectiva estampada na prática e na capa do jornal. Um jovem conterrâneo meu, com toda esta baixa temperatura, fez de sua casa um dos contêineres da nova coleta de lixo da cidade.
A lixeira serviu de abrigo a este meu irmão, um jovem de 19 anos, que conta na reportagem que “cansou” de pomar e veio pra “cidade grande” em busca de emprego.
O “flagrante” dele acordando no seio da lixeira é triste. Meu dia se foi desde que vi a capa do jornal. E lembrei de novo do Memória da Caxias. Eu falei lá que Vitrola, mais do que um livro, é um projeto. E uma visão de mundo. É uma denúncia do ócio que se abateu em Bom Jesus (no livro, São José).
Valsa dos Aparados, um meu outro texto, igualmente, em forma de prosa denuncia: o que se apara, não tem perna. O que se apara, nem dançar dança mais.
O pinheiro e as pernas e os braços do trabalho que lá foram ceifados, foram aparados em sua raiz. E quem perde a raiz, desgarra. E o horizonte, para alguns, é o ventre da lixeira.
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