A filha da neve morreu no mar
A neve durou a semana inteira. Foi em julho e matou boi e vaca num Bom Jesus que já sofria da “asiática”. Era como chamavam à gripe naquele Bom Jesus que não era pouco: havia 86 serrarias.
Um carrilhão pra três sinos, a igreja pintada por fora, quando minha irmã nasceu foi solenemente benta a primeira pedra da Hidráulica. Minha mãe moraria depois por ali, no Campinho da Hidráulica. Era uma espécie “área tornada nobre” cercada de plátanos, por força da nova Hidráulica e habitada por gente pobre.
À sombra dos plátanos, uma certa D. Rosa ainda vivia. Só depois, com sua morte, minha mãe mudaria para a casa desta Rosa. Era uma casa coberta de tabuínhas e um puxado feito “água”.
Claro, as cumeeiras por lá eram assim: por causa da chuva e muito mais pelo acúmulo de geada e neve. Arquitetura de Bom Jesus que nunca vi estudada. Um filão que zanza ainda aí sem pesquisa.
Mas, o berço. Maria de Lourdes foi doada. Na verdade, nunca convivi com esta minha irmã. Mais. Não a conheci. Eu nasceria ainda depois de uma outra guria.
Quando vieram avisar da sua morte, isto sim, já crescido, lembro bem, foi no quarto da tal casa “água-puxada”. Um quarto pintado de cal, com um radião na cabeceira. Deram a notícia de bate-pronto. Minha mãe desmaiou na hora. Lembro a Zaida, sua colega, puxando e puxando os braços de D. Carmem com álcool. Depois que “voltou”, deram o resto do recado: a sua menina, de Esteio, tinha morrido na praia. Em Pinhal, precisamente, enroscada numa rede de pescadores.
Neve e mar. Coisas que nunca saíram da vida gente, a nossa Maria de Lourdes.
Cinqüenta anos faria agora. E posso entender o parir uma filha com neve. Entendo doá-la, sabe-se lá com que causa!!!
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