Se retornasse a Bom Jesus
Casa que já não há, pia que já não há. No hotel de tua pia se trocavam almoços por gado, alegre e festivo era o teu bom hotel no trabalho. Mas já não existe hotel e busca-se também agora o amor, o amparo, a casa substituta.
O não-retorno tem uma lágrima que seco rápido. E tenho em minhas mãos o teu par de brincos e eu sei agarrava teus brincos retorcidos como um pequeno anzol. Menino, grudava em tua orelha pra dormir. Pegava tua orelha aconchegado ao peito quando nos disseram não. Não, não batizo, és solteira!
O que sentistes nunca contastes, ô, mulher resignada! E devias. Como preservar tuas coisas se não quebrar agora a pedra desse coração? Eu, merecedor de teu afeto, teu filho, pagão.
Já não rezo. Nunca rezei. Sabes, já não choro. Eu sorrio como aqueles que trazem os olhos esgazeados, igualzinho o santo que mantinhas em tua cabeceira. Ave Maria, não. Pai Nosso, não.
Na verdade, retorno às dores e aos dentes, e não devia. Mas isso também é uma forma de rezar.Para que passe a dor na minha forma de saudade num Pai Nosso que não há, em Maria que não houve, num pai que escapuliu.
Se retornasse a Bom Jesus protegeria ainda o que tive. Quem me queria com os passinhos, as unhas sujas, aquele infame rastejar num porão para espiar intimidades desconhecidas.
Retornar a Bom Jesus é insistir que permaneces em uma casa que já não há.
Por isso, agora sou eu quem estende a orelha. Afaga. Aconchega tua mão morta na orelha do teu filho. Pode sim!
Pega.
Aconchega!
É de arrepiar. É de arrepiar sentir a mão assim.
Há um estalo de madeira velha em nossa antiga casa. A casa que eu não trouxe. A casa que é o coração, vida, é a doce presença de alguém que já não está.
Jogo as flores na lata pela janela. Espatifam-se.
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