Missa para Kardec
Marfisa tinha a pauta memorizada naquele entardecer.
Tinha a pauta, sabia do sino, sabia das horas, e, como se fosse um crepúsculo, o harmônio soou.
Ah, a boca larga daquele instrumento do padre merecia definição!
Um movimento pendular tinha o harmônio, tocado a pé, trazia as melodias por um interno correião.
Canções por correia, eram lindas algumas. Eram as mesmas usadas pelas internas no pensionato, justas, afinadas, por religião.
Mas o que se ouviu foi um toque pesado, de tristeza, de morte, cravado, cortante, e saiu o barulho esse como alegria da Marfisa Ignez.
Pautada por quem a devota nossa irmã?
...
Enérgica, tapava os cabelos ao chegar nas missas e vinha mesmo nas visitas ornada de véu muito fino. Também era muito higiênica a sua sala —com um Cristo crucificado às costas e a legião de Cristinos aos retalhos por um qualquer ajutório.
Das mais leigas franciscanas a Marfisa auxiliava, auxiliava mesmo por gosto, era higiênica, ajudava por seu dever. Atendia com tino forte, pouco sorria, perguntava, perguntava, começava a conversa por longe: onde morava?, vinha freqüentando uma outra reunião?
Andava a onda espírita, entenda-se, e eram feitas de pura aparência as relações.
Daí a desconfiança e a Marfisa, muito higiênica, parecia que mais se enojava se fosse lhe abrindo o coração.
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