Cachos de verão II
Embora a força de Nicole, prefiro a presença de Rose. Há uma cena dela saindo d’água que vale o livro: "depois do banho frio da tarde... suavemente o cabelo a emoldurava como um elmo, cascateando em ondas e cachos de um louro cinza dourado. Os olhos eram grandes, claros, úmidos e luminosos: o corado das faces era natural, trazido à superfície pelo fluxo de um coração jovem e vigoroso. O corpo ainda lembrava delicadamente o final da adolescência. Tinha perto de dezoito anos, estava quase formada, mas ainda conservava uma frescura de menina”.
Cascateando em cachos dourados, é muito bom! Mas há ainda um cara à espreita. Um calvo, de monóculo, o peito estufado e peludo, barriga encolhida, olhando-a atentamente. Quando Rosemary correspondeu ao olhar, tirou o monóculo. Que foi esconder-se entre os cômicos pêlos e verteu num copo a garrafa que segurava na mão.
Grande Fitzgerald! Notem que a jovem “correspondeu” ao olhar do coitado. Como, irrefreável, corresponderá a tantos outros. Contudo, há uma ética nestas relações. Sufocam-se, não avançam, há um remorso onipresente. Sobra sedução e “cachos em ondas louros” a promover a sensualidade. A fuxiqueira senhora McKisco deplora o que vê: o desejo passa suave no ar do Mediterrâneo. E, não esqueçamos, tudo isto numa atmosfera depressiva, que seria ainda maias abalada com a crise de 1929.
Fitzgerald, entre o remorso e o corpo que clama, ao introduzir aquela patética figura de monóculo e peito peludo olhando a adolescente (que no vulgo se chama “tarado”), mostra que cabe lugar ainda à piedade feminina. É terrível isso.
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