Tomates argelinos
Passei um ano no Sul da França convivendo com argelinos e, como eles, passando à base de tomates, pão e galinha.
Ex-colônia da França, há muitos argelinos em Toulouse. Os conheci na universidade e, não é lenda, brasileiros são mesmo confundidos com árabes, deixem uns fios de bigode pra ver.
Houve uma imediata identificação por sobrevivência. Eram africanos exilados no auge da Frente Nacionalista, ultra-direita, racista, comandada por Jean-Marie Le Pen.
A aproximação com meus semelhantes, naquela condição, imagino, tenha sido uma forma de me proteger.
Daí que passei alguns domingos entre eles, servido de tomates fatiados em triângulos. Era o que podiam os meus colegas, filhos de pintores de paredes estabelecidos em Toulouse.
Havia entre eles duas argelinas lindas.
Seguidores do islamismo, comentavam as guerrilhas internas que disputavam o poder na Argélia à época. A família era admiradora de um líder barbaramente assassinado que, francamente, já não lembro o seu nome.
E assim foi o meu inverno em Toulouse, o grande centro de construção de aviões da Europa.
E gorou a minha bolsa de estudos. E fiquei sem grana e tive de apelar ao Serviço Social pra voltar.
Levantaram uma passagem e não encontro agora em meio às cartas o bilhete da volta. Gostaria de comprovar se a empresa que me trouxe não pertenceria ao pai de Bin Laden.
Provavelmente, sim, não sei.
Era algo como Linhas Aéreas Iraquianas, desconfio, mão não encontro.
O fato é que o vôo era originário do Golfo Pérsico (tinha uma batelada de gente da Mendes Junior, que andava em Bagdá fazendo estradas).
O vôo era via Paris, escala de quase oito horas em Casablanca.
Como se vê, era um vôo para pobres.
Lembro o avião tomado principalmente por muitas mulheres árabes com suas crianças.
E que durante a travessia do Oceano Atlântico caiu a tampa do ar condicionado sobre a minha cabeça.
Como esquecer aquela tampa, os tomates divididos, os argelinos de Toulouse que, espero, estejam em paz!
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