Reler cartas em dia de chuva
Eu seleciono hoje uns e-mails. Mas o que gosto mesmo são as velhas e sinceras cartas dos amigos. De um casal, por exemplo, de Toulouse. Venderam tudo e foram morar num barco no mar. Da garota de Lisboa que queria ser atriz e quem sabe um dia me amar.
Uma carta de morte de uma amiga de minha mãe.
As cartas de Veneza de um Diogo, quando recém-começava a ser Mainardi.
Em dia de chuva eu penso muito na Baronesa do Gravataí. A grande falta que essa rua de Porto Alegre faz. Só sobraram as cartas de lá. Cartas que não respondi.
Sem resposta também ficaram os argelinos que dividiram seu prato e a saudade de um primeiro Natal muito só. A argelina vestia a cor azul.
Há cartas de coração, a maioria. E há cartas aqui comigo elegantes, outras semi-alfabetas, as cartas de minha vizinha menina no orgulho do primeiro escrever.
Bom Jesus. Bom Fim!
Reler cartas é como refazer as bagagens e sair viajar. E é um continente à disposição aqui no sofá.
Em cada papel uma cor, uma dor, esperança, felicidades adiadas, perdidas, amores que podem estar em Macau. Em Londres. Em Erechim?
Leio todas as cartas de improviso porque considero sacanagem deixar de cada uma tocar.
Ao reler cartas atualizo meu coração. Volto a vestir a moda com a data que o selo trouxer.
Reler cartas nos faz rebrotar um sorriso que ande difícil talvez.
Reler cartas é saber do cachorro de Marina que se chamava Arthur. Há uma carta quando o Arthur morreu...
Ao reler cartas morremos assim de novo e se acha um fio de cabelo. Um pensamento de mulher envelopado, uma flor a se guardar.
Ao se reler cartas, em dia de chuva, a gente murmura: merda!
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