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quarta-feira, agosto 25

As queimadas e os tatus

O ar está tomado por uma espécie de névoa seca que esconde o sol. É fumaça. Fumaça das queimadas de campos que proliferam e chegam até aqui tocadas pelo vento. É uma prática secular: queimam os campos. E isso sempre foi feito, porque não há outra forma de renovar o pasto em terreno tão acidentado e recheado de pedras.
Indaguem ao pecuarista sobre a divisão de invernadas ou uma forma mecanizada de renovar o pasto, uma roçadeira adequada, por exemplo. Ele dirá que é um custo inconcebível para quem vive na eterna luta por melhores preços para o quilo do gado.
Saia-se desta.
Boi, vaca. A perdiz e as lebres. Os tatus que precisam sobreviver às queimadas...
É o dia do tatu na minha crônica.
Quando pensei que tatus me renderiam assunto?
Enquanto escrevo, sei da morte do escritor argentino Rodolfo Fogwill. Ele é o autor de um livro sobre a Guerra das Malvinas, que trata de um grupo de desertores em pleno campo de combate. São os Pichicegos (o título do livro, e como os tatus são conhecidos em algumas regiões da Argentina), pois vivem em uma espécie de subterrâneo, tentando tão-somente salvar a vida naquela inconsequente guerra.
Em 1982, o general Leopoldo Galtieri promovia aquele absurdo confronto com a Inglaterra, uma forma desesperada de fortalecer o regime então enfraquecido. Queria retomar as ilhas Falklands, situadas em sua costa, e em poder dos ingleses desde 1833.
É nesse contexto, e jogados num cenário de frio austral inclemente, que os jovens argentinos de Fogwill atuam. Os Pichicegos agem como uma espécie de tatus, com suas carcaças duras enfrentando o frio, a falta dágua e a fome. Racionam o que há de cigarros a sentimentos. Sim, pois entre eles não há mais lugar para qualquer comoção, íntima, patriótica, o que seja. Interessa apenas sobreviver àquele absurdo em que foram jogados.
Em 1982, em Porto Alegre, na JUC Casa 7, recebíamos muitos argentinos que também desertavam daquele desigual confronto. Eram “pichis” com mais sorte. Acolhidos numa república de estudantes, saberiam da nossa incipiente volta à democracia, de um certo Cio da Terra, como aqui se ouvia Mercedes Sosa e Milton Nascimento nos duetos emocionantes.
Desejavam, quem sabe, naquele momento, como um dos protagonistas do livro de Fogwill, ser brasileiro.

Crônica no Pioneiro.

quarta-feira, agosto 18

As tábuas mecânicas

Eu fiz, como todos da minha geração, aquele chato caminho das primeiras leituras. Ser induzido a ler muito cedo o José de Alencar e os romances do Machado (que nem eram os contos do Machado, esses, sim, geniais). A coisa só melhorava quando se chegava ao Jorge Amado, porque, aí, tinha alguma sacanagem e um Brasil que um adolescente já reconhecia.
Esse é o caminho que fiz na minha formação de leitor até chegar ao João Guimarães Rosa (que, depois, quando comecei a escrever, constatei que era a principal influência a ser eliminada). Só que já andei por aí, traído pela memória, dando um crédito maior ao João Guimarães Rosa. Não foi ele quem primeiro teve o maior impacto nas minhas leituras de formação. Não foi Grande sertão: veredas o meu primeiro grande livro. Foi Laranja Mecânica, de Anthony Burgess.
Jorge Amado, aquela turma, Erico, ultrapassaram os meus 15 anos. Por volta dos 17, descobri, por conta do filme do Stanley Kubrick, o Laranja Mecânica (por revistas, claro, que jamais passaria em Bom Jesus o filme, mesmo depois de liberado pela censura).
Pedi então pelo Reembolso Postal o livro. Percebam agora o impacto da leitura. Eu era um cara, pós-adolescente, que morava numa casa de madeira, com frestas por onde entrava muito vento e, em dias de chuva, a cama tinha de ser coberta com uma capa para aparar as goteiras. Lia com vela, sem luz em casa. A 50 metros dessa casa pastavam as vacas.
E fui surpreendido por aquele cenário ultraurbano do Laranja Mecânica. O enredo, num ambiente futurista, expunha a juventude, as drogas e a violência (e questões como o livre-arbítrio, o “controle” do indivíduo pelo Estado, que eu iria então pescar) e era um mundo que não cabia de forma alguma naquela casa de tábuas e vacas próximas. O impacto do livro saía pelas frestas afora.
E havia mais: a linguagem. Anthony Burgess criara uma língua. A partir da gíria da gang protagonista, criara uma espécie de inglês com russo, e mais a fala de ciganos e muitas expressões da pura invenção. Eu li aquilo num fôlego, a escrita era desconcertante.
Neste final de semana, por acaso, folheei o Laranja Mecânica. E a apresentação do livro serviu para refrescar a memória: indica a influência de James Joyce em Burgess. E é óbvio que foi ali que eu soube do Joyce. E, daí, ao João Guimarães Rosa. E o vento soprando entre as frestas das tábuas.

Crônica no Pioneiro.

quarta-feira, agosto 11

O comprador de encalhe

No começo da carreira, ainda sem renome, John Steinbeck escreveu Tortilla Flat, uma novela que fixava a vida dos ladrões, dos desocupados e uma meretriz da Califórnia.
Foi um “sucesso medíocre”, mas ainda assim chamou a atenção de um “scout”, um espião da Paramount. Procuraram então o John Steinbeck e lhe ofereceram U$ 5 mil, assim, ali, na bucha. Pegou na hora.
Passaram os anos e nada do filme. John, nesse meio tempo, arriscou então um outro livro: era a fuga dos pequenos agricultores da terra naquela quebradeira americana de 1929.
Ah, mas se projetou. Sabe como é — eram os tempos do Roosevelt — e se o Roosevelt incentivava a terra como é que a mesma terra eles andavam deixando?
As Vinhas da Ira teve um enorme reconhecimento, foi produzido para o cinema e dá a John Ford o Oscar de melhor direção em 1940.
E vai que o Steinbeck, logo depois, volta na Paramount. Não foi de meia conversa e largou a seguinte proposta: dou U$ 10 mil. O dobro. Me entreguem de volta o Tortilla!!
Por que um autor compraria a sua própria obra?
No caso do Steinbeck, fica evidente a ganância. Mas o autor pode adquirir sua própria obra por estratégia.
Moacyr Scliar confessa que, no começo da carreira, desconhecido, comprava os seus próprios livros e ainda incentivava as vendedoras sobre “aquele excelente escritor novato”.
E Iberê Camargo, no final da vida, dizia que pintava aqueles quadros grandes (quase 4 metros) para holandês comprar. Era uma “figura”, claro, porque os holandeses por enquanto não apareciam e os quadros continuavam com ele. O que era lucro, pois Iberê atingia projeção internacional e as suas telas só valorizariam ainda mais.
E, agora, descobri mais uma razão para os autores comprarem suas próprias obras. O comprador de encalhe.
É, tem um cara em São Paulo que compra tudo. Minto, tudo não. O livro tem de ter certo apelo, não pode ser A influência da minhoca na produção de alho. E aí os editores perguntam: quer comprar os teus livros ou me libera para o comprador de encalhe? Ele depois venderá pela Internet. No meu caso. Liberei na hora. Bendito comprador de encalhe!
Este cara merece todos os prêmios de Amigo do Livro.

Crônica no Pioneiro de hoje.

quarta-feira, agosto 4

O candidato e o pensador

Na crônica passada, falei da Casa de Frei Geraldo em Bom Jesus. Mencionei que no Salão Paroquial, por muitos anos, funcionou o fórum. Mas não referi que lá, depois do cinema, na parte da frente do segundo andar do salão, instalaram o tabelionato, o registro civil e o registro de imóveis. Figuras marcantes estiveram naquele lugar e a crônica restou incompleta ao não mencioná-los.
O primeiro encarregado dos registros civis em Bom Jesus foi José Fialho Ramos, irmão das três abnegadas da educação. Vindo de Taquara, em 1915, José Fialho assumiu os registros de nascimentos e mortes. Depois, foi substituído por Ernesto Boff, de quem era parente. Ernesto também participava das atividades políticas e religiosas em Bom Jesus. Passou depois o “registro” para a filha Maria Iolanda Carniel, que dividia as salas do segundo andar do Salão Paroquial com Oly Alves de Medeiros e Renato Oliveira.
Foram duas figuras. Ambos, com temperamentos incisivos, se distanciavam, porém, na forma de agir. Oly era prático. Renato, intelectual. Marcaram por mais de três décadas a vida pública de Bom Jesus.
Oly, filho de um tropeiro de São Francisco de Paula, se tornou um advogado de amplo domínio e que comandaria o cartório com pulso firme. Casado com Aydée Teresinha Canani Medeiros (responsável pela Receita Estadual), adotaram Bom Jesus. Lá, criaram os filhos Rodrigo e Bolívar. Oly se destacaria pelas sucessivas candidaturas a prefeito sem alcançar resultado. Foi o responsável, no entanto, pela sobrevivência do velho MDB, resistente à ditadura e partido que lá consolidou.
Além do registro de documentos e escrituras, por seu balcão passaram muitos em busca de conselhos. Presenciei essas cenas. Office boy do Banrisul, no mínimo, ia três vezes por dia ao “Cartório do Seu Oly”. Com ele trabalhava o Zé Baroni e o Homero Costa, que começou por lá ainda guri.
Vizinho de parede ficava Renato Oliveira. Era mais teórico, possuía uma boa biblioteca. Além do direito e questões tributárias, lia filosofia, sobre música, romances e, principalmente, História. Certa vez, me cobrou se já sabia sobre a Guerra da Secessão. Era obrigatório. Não dava pra levar a vida adiante sem saber.
Renato tinha um espírito atilado. Irritava-se com questões menores, despachava logo os processos e registros, trabalhava como ninguém. D. Neusa Moojen Martins, que era a sua auxiliar, passava os dias a transcrever naqueles livrões de quase meio metro de altura.
Oly, o homem prático. Renato, um pensador. Duas figuras que muito contribuíram.
Crônica no Pioneiro.