OBRA     AUTOR
         


Vitrola dos Ausentes
Clique aqui e leia um trecho.


Nova Edição



Clique aqui e leia.


DEMAIS LIVROS


Glaucha
Clique aqui e leia um trecho.



Iberê
Clique aqui e leia um trecho.




Valsa dos Aparados
Clique aqui e leia um trecho.




Missa para Kardec
Clique aqui e leia um trecho.



Quando cai a neve no Brasil
Clique aqui e leia um trecho.


Cozinha Gorda
Clique aqui e leia um trecho.


As luas que fisgam o peixe
Clique aqui e leia um trecho.

Coletâneas


Meia encarnada, dura de sangue
Clique aqui e leia um trecho.



Cem Menores Contos

Clique aqui e leia um trecho.



Contos Cruéis

Clique aqui e leia um trecho.



Contos do Novo Milênio

Clique aqui e leia um trecho.




 

quarta-feira, agosto 26

A razão no samba

O jornalista José Arbex, ex-editor da revista Caros Amigos e descendente de libaneses, achou engraçado quando contei lá na UCS que fui batizado luterano e que meu padrinho de casa era ligado à Umbanda. Arbex exclamou: só no Brasil!
Para o bem e para o mal, é isso mesmo. Somente no Brasil este ecletismo de cultura, a riqueza de nossa formação, mas que no plano político se permite extrapolar.
Somos uma mescla de razão com sentimentalismo. Conheço duas histórias vivenciadas pelo artista plástico e cineasta Mario Carneiro que ilustram bem, digamos, essa multifacetária convivência. Um dos episódios acontece antes do Mario se tornar “o fotógrafo” do Cinema Novo, quando trocava descobertas sobre a gravura com Iberê Camargo no Rio.
Certo dia, visitando Iberê no ateliê na Lapa, encontrou o gaúcho tentando acabar um quadro e sendo atrapalhado pela cantoria de uma vizinha louca por samba. Iberê chama a polícia. Imaginem a cena depois. Mario Carneiro tentando explicar para a polícia que Iberê embatucou no quadro por causa do samba da mulher.
E mais. Iberê denunciava ainda um papagaio tagarela do andar de baixo que também muito atrapalhava a sua produção.
Só no Brasil para se registrar tal cena!
Aliás, este desencontro (ou possibilidade de unir isto) do racionalismo produtivo de Iberê com a alegria despreocupada da mulher que manda ver no sambão, é o tema do Catatau, de Paulo Leminski. No romance, Leminski põe o filósofo René Descartes e o seu racionalismo nos trópicos do Brasil Holandês. O livro só poderia ser aquela carnavalização da língua, um catatau de situações.
Bem, isto é o que nos caracteriza: a alegria da cultura e ao mesmo tempo certo remorso diante da morte (duas formas de antirracionalismo) emblematicamente sintetizada por outra cena. Trata-se do registro do velório do pintor Di Cavalcanti feito por Glauber Rocha tendo o mesmo Mario Carneiro de câmera. A família achou um “absurdo”. Enquanto Glauber dizia que era homenagem de artistas ao artista morto (nada havia de pecado nem desrespeito), a família já acenava com processo, que de fato rolou.
Só no Brasil! Esta nossa comunhão entre razão e sentimento, só isso para explicar esse “irrevogável até amanhã” que o Aloizio Mercadante agora protagonizou ao abandonar e voltar atrás na liderança do PT. A carnavalização das ideias, a flexibilização política, o impensável trio, Lula, Collor, Sarney.

Crônica no jornal Pioneiro.

terça-feira, agosto 18

Literatura grotesca

Ao tentar escrever um romance inteiro de trás para diante (com as palavras lidas de baixo para cima e o conteúdo permanecendo o mesmo) concluí que isto é impossível. Só se realiza um romance assim se for construído em blocos, de forma fragmentada para não “quebrar” a leitura inteira numa única página. Por isso, um texto assim fragmentado, na hora da impressão, só funcionará se for “gravado” em um só bloco, uma página que esgote em si o conteúdo.
Ler de trás pra diante e o conteúdo permanecer ainda o mesmo é o que se chama Palíndromo. Por exemplo:
A ver teia caduca. Acuda! Caí. É treva.
Percebam que continua a mesma coisa.
Outro exemplo.
Leva, draga, ramo, gralha. Ah, largo mar agradável!
Viram. Funciona mesmo, assim, na linha curta. Porém, para um texto longo, ao escrever nesta forma de palíndromo o autor é dominado ao bem entender do texto, e aparecem então traços soturnos mesclados com cenas cômicas, que é o que caracteriza a representação grotesca. E o grotesco, por sua natureza, não se oferece à reflexão como nos romances. É jogo rápido, uma só face, como na gravura.
Daí que, cada bloco de texto deve estar completo em cada página, deve se esgotar na própria página. Não pode ter quebras, pelo contrário. Deve estar com um olho em Deus e o outro no Diabo. O indicador da mão direita sublinhando a leitura que é conferida pelo dedo da esquerda na parte de cima. Assim, a leitura de um texto palíndromo é uma leitura quase artesanal. Para ser curtida, leitura concentrada que não permite desvios ou outro foco de atenção.
Em resumo: um romance linear comporta ideias (deve ter ideias), a frase que indica, a condução de um refletir.
Por outro lado, um texto palíndromo (um romance-palíndromo) traz outra intenção: ele explora a forma da construção, é um texto que prioriza o estilo, um novo estilo de dizer, outra natureza de expressão.
Quem se mete à experimentação precisa destas notas aqui. Indico caminhos ao leitor, não vejo problema em fazer.
Crônica no Pioneiro de amanhã.

terça-feira, agosto 11

Glaucha

Em Toulouse, depois de não ganhar bolsa para um mestrado, comi um pão amassado. Meus colegas de Francês Para Estrangeiros, na Universidade Le Mirail, acompanharam aquilo. O que poderia fazer sem a bolsa? Colher uva?
Eu jogava futebol. Já nem lembro quem teve a ideia de um teste no Toulouse. Com as chuteiras de um português colega de aula, eu devia então participar de um treino dos reservas. Naquela base pão e água que eu vinha, “pensei melhor”, não fui. Passava ali um baita cavalo encilhado. Não importa. A vida é jogo, sempre nos impõe escolhas.
Naquele dias, falei do projeto de um livro e era só o que eu queria da frustrada experiência. Tive apoio dos argelinos, amigos da faculdade, que eram de Havre, me ajudaram na empreitada. Semanas de isolamento na Le Mirail e concluí então o Glaucha.
Glau+Cha = Glauber Rocha. A protagonista do livro é uma prostituta que encarna o espírito do cineasta Glauber Rocha. Glaucha entende de arte e economia e ironiza de cima a baixo o linguajar do “Plano Bonanza”, que vem a ser o Plano Cruzado, do Sarney, batam aí na madeira.
“A monetização acelerada, a hiperinflação que asfixia, a flexibilização dos negócios” nos lábios de uma garota de programa da Volunta era pura ironia. Isso, em 1987. E tem coisa ali bem de agora: a troca de e-mails entre Glaucha e Samantha, as imagens computadorizadas que depois só deslancharam. O livro é um liquidificador que mistura cinema, teatro, fotografia, música, desenho, o escambau bem no espírito do Glauber. Há até o Guimarães Rosa lido de trás pra diante.
Principalmente, há ali o Zecalencarismo (de José de Alencar, que Glauber julgava superior a Machado), um manifesto dos filhos de ex-exilados pelo regime militar, que voltavam ao Brasil e sonhavam com novos tempos.
“Reengolir todo o Movimento Modernista”. “Deglutir toda a cultura externa”. Parece até o Collor apontando pro Pedro Simon, mas era a sua plataforma. E muito mais. O Zecalencarismo propunha buscar inspiração no futebol, exportar nosso couro em forma de livros. NÃO SUBESTIMAR O FUTEBOL!, bradava o manifesto, ao mesmo tempo em que apontava a alienação e deblaterava. Era um troço “de louco”, bem ao estilo de Glauber.
Glaucha foi lançado depois, aqui, em 1989. Faz 20 anos. Mas a vida continua, com Sarney e as escolhas.


Crônica no Pioneiro de amanhã.

terça-feira, agosto 4

Clarineta no solo

O Pasquim é aquele jornal que surgiu em 1969, no Rio, em Ipanema, em pleno AI5 da ditadura. Humor cáustico e crítica social, gosto no Pasquim principalmente dos textos do Ivan Lessa. Claro, sem contar os perfis do Vinicius, sobre Antônio Maria, Di Cavalcanti, aulas de estilo. E também a famosa entrevista com a Leila Diniz, musa da turma, que agora reli.
As entrevistas eram boas mesmo. Uma delas, com Paulo Mendes Campos (dos mais interessantes cronistas que tivemos), vai me proporcionar aqui uma dobradinha com o Erico Verissimo. Em janeiro de 70, Paulo Mendes já falava da perda de relevância social da literatura, atribuindo a outras formas de expressão, como a televisão que começava dar as cartas, o papel de formar opinião que os autores tiveram.
De fato, Jean Paul Sartre talvez tenha sido o último autor a ter voz efetiva com relação às questões sociais. Vá lá, a polêmica García Márquez X Vargas Llossa (quando Llossa rompe com Cuba) ainda rendeu assunto. Mas, a partir daí, é uma ou outra manifestação do Saramago e ficamos nisso, salvo engano.
(Aqui na paróquia, então, basta chamar artista para opinar, falar de algum assunto como a alteração do Fundoprocultura, que já vira chateação, dois ou três e-mails).
Pois bem, chegamos ao cruzamento das minhas leituras, na interlocução do Paulo Mendes com o Erico. Estou também relendo Solo de Clarineta, as memórias do Erico. Quando morreu, em 1974, ele estava escrevendo sobre o ano de 1959, a viagem que fizera por Portugal e Espanha. O capítulo sobre Portugal era o que eu buscava, pois também já andei por Beja e queria bater a impressão que tivemos.
À época, 1959, Portugal estava sob Salazar e a ditadura. Durante a visita, corre pelos gabinetes que a oposição está “usando” Erico. Logo, como estratégia (e chega aos ouvidos de Erico), o pessoal do “conselho” o acompanhará com “profundo entusiasmo”, o aplaudirão não importa o tema da palestra.
Por dentro da história, em Beja, Erico fará um discurso “com o maior fervor” contras as ditaduras civis ou militares, exigindo respeito à “pessoa humana” (nota: não é pleonasmo, é a “dignidade da pessoa humana”, que está no Direito). Foi muito aplaudido.
Já na Espanha, ao lembrar Clarice Lispector durante uma apresentação de dança flamenca, Erico sugere que o equivalente musical da escritora estaria nas composições de Messiaen, no Quarteto Para o Fim do Tempo. Na altura desta analogia (vejam a coincidência nas memórias), Erico morre. Deixa apenas os rascunhos.
Crônica no Pioneiro de amanhã. A ilustração é um rascunho de Erico.