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quarta-feira, julho 29

A oficina de Cândido

Menos 4 graus em Caxias e o poeta aparece. Sapatos coloridos, óculos de aro esverdeado, sobretudo de lã. Vem acompanhado da sua Cínthya e no vício que agora o twitter é: está quebrando o gelo numa sala da UCS. Recém chegou de Manaus — faz piada sobre o rio, o Amazonas mistura com Nhoque — vai sugerindo o que valerá.
A presença do poeta já é uma crônica. Misto de elegância e clown que desinibe, Cândido tenta, digamos, se “aclimatar” à figura ali.
Sim, como o Celso Roth e o Tite, Fabrício Carpinejar também é de Caxias. Nasceu aqui, mas há apenas dois anos conheceu a cidade. E tem vindo. Nos últimos quatro meses, seis sextas-feiras. Já conheceu sabiá-laranjeira, comprou a número 3 do Caxias, já reuniu 60 pessoas pra falar de literatura, pra falar bem mais da vida.
Cândido é observador: cabeça raspada — na nuca traz escrito um SOS com o que restou de cabelos — o terno, a gravata, o capote, Carpinejar chamou a atenção na Lunelli.
É preciso fugir do comum, Cândido! E o que se propõe é o seguinte: crônica não é jornalismo, Cândido! É o único espaço do jornal que não se tem controle. A crônica — a partir daquilo que não importa — diz o que lhe interessa. Fora disso, Cândido — diária ou semanal —, o que chamam de crônica é opinião jornalística. Não vale Literatura.
Retruca com boas tiradas os 10 textos que são lidos. Na Oficina do Gelo, Carpinejar quer a valorização do miúdo, e da falha, a força da nossa incompetência. Quer a crônica visão dos chatos sendo os chatos nós mesmos.
É um instigador da terapia literária. Quer na ZH de domingo sua Oficina ao lado dos anúncios de tarô, da leitura de cartas. Consegue alguma coisa. Tira do professor Paulo, assistente, um texto pouco, piegas. “Feliz Natal”. Não é crônica, é conto. (O conto te tira o chão. A crônica explica, diz para onde o personagem anda. “Feliz Natal” ou “clínica”, a sinuca não vai te safar com o título).
Não há complacência. E assim prossegue (Bandeira, Murilo, Ubaldo. Vinicius, Herberto Helder, Antonio Maria), senta a ripa generosa no texto recente de Cândido. Cândido tem 82 anos. Tá sacando o poeta na noite mais fria.
Quatro graus negativos. E o poeta provoca: Rio Grande do Norte!!!
E vai mesmo. É a sua próxima oficina.
(E Cândido, pura verdade, lá conferindo o gelo no teto do carro).

quarta-feira, julho 22

Apollo 11 sem graça

Bom Jesus, anteontem estive aí. Andei rua por rua, parei em cada porção dos terrenos baldios. Naveguei por um satélite e fiz um rasante por tuas vielas e ruas e cada casa eu soube de cor. Cravei algumas setas na cidade. Na cidade, vista lá embaixo, marquei caminhos que percorri. E acabei por fincar minha seta no inevitável repouso. Do alto, pelo satélite, pelo Apollo 11 (é esse o nome que o satélite tem), identifiquei a tumba de minha mãe. Bem ali. E a seta então parada em vão.
É claro, parei com o passeio. Eu bem sei quando corro os meus riscos. Outro dia, num Pronto Atendimento, me afrouxei de medo ao constatar que ninguém se cuidava ali. Estavam todos a descoberto e, houvesse a “suína”, estaríamos a nos danar.
Mas, anteontem, era o dia do Homem na Lua. E eu, pra variar, sem assunto. Daí o passeio no Bonja e o astronauta Buzz Aldrin em confissão. Ele disse que não sentiram “emoção nenhuma” ao pisar no solo lunar. O Armstrong eu já desconfiava que era americano secão. Mas, Buzz Aldrin, brincalhão, saltando como um canguru ao pisar na Lua, não se emocionar?
“Estávamos a trabalho”, disse Aldrin. Ah, tá! E o Pete Conrad, da Apolo 12, que mesmo estando a trabalho, quatro meses depois pisou na mesma Lua e por lá aprontou?! Pisou, assobiou e cantou. Este sim curtiu.
Já está bem evidente aonde eu pretendo chegar. Não, não é só fazer o que se gosta. Não. É fazer as coisas que nos cabem bem feitas e tentando se divertir. Prosseguir naquele passeio do satélite pelo meu Bonja, por exemplo, ia me entristecer. E encher também a paciência do leitor (“Aí, de novo ele com Bom Jesus!”).
E, então, leitor, confesso. Achar um assunto que não sature o saco é a parte mais difícil da semana aqui. Outro dia, sai à cata do Spinelli, de algum assunto espírita, e fui bater lá no Chico Xavier. Num Pinga-Fogo, da TV Tupi, quando ele incorporou um poeta e um texto por lá saiu. Fui ver quem era. O poeta era Cyro Costa, um paulista que tinha predileção por temas relacionados aos negros e tem mesmo dois poemas de certa construção: “Mãe Preta” e “Pai João”.
Achei que daria assunto, mas ainda não deu. Mas, vejam, já era puro aprendizado com diversão. Corri então pras coisas do Bonja. Vi que naquela semana o clube dos negros, o baile do Seu Doca, arredondava a data da fundação. Estava pronta a crônica. E, mais interessante, por esses caminhos cruzados, rendia certa emoção. Coisa que o Aldrin, caramba!, ao pisar na Lua, confessa que não sentiu.

Crônica no Pioneiro de hoje.

quarta-feira, julho 15

Leitura ao contrário

A! Bufonarias! A cínica bazófia à janela.
Aura da rua. O padreco da saia.
Rapá, aí é sabe-se lá. Traz o mó medo. A mil e uma tam!. Acuda. Caí! É treva. Só relato.
O adágio a cavalo. O sete “e não” à cruz, Amém!
Assim, a luto ri. Ufe! Meus adias aos mortos.
Atlas. A! leva rapá, flauta. A ira de Zeus.
E trapalhões, sujos, reles, à fome.
O amai-vos! Clichê.
Olá, Bagé! Aí, Vossa!
Assovia. É gabola. Eh, clic!
Só vi a mão. E mofa. Se ler, só jus. Se olha, parte. Sue, Zé daria. Atual fã para vela, saltas. O trom soa.
Saí da Su e me fui rótula missa. Me mazurca, ô, Ane! E teso.
Olá, vaca!
Oi, Gadão!
O tal Eros a ver teia caduca.
Matam?
Ué, Lima!
O demo Mozart. Ale se baseia a par. Aí, asado, cerda, pó. Aura da rua.
A Lena já. Aí, foz, aba, cínica.
Sairá no fubá.

***
Este texto, que pode ser lido de baixo pra cima e continua o mesmo conteúdo, reflete a ira de Zeus com Eros (o deus do amor), que saiu pelo mundo depois que a amada descobriu o seu rosto enquanto dormia. Mostrar o rosto era proibido e daí o castigo de Zeus: Eros passa a vagar, a viver o caos, que é expresso nesta linguagem de trás para diante. É um mergulho sem rede esta experiência e procuro indicar aqui um mapa de leitura. Talvez se possa chamar a isso de “livro palíndromo”.

Publicado no Pioneiro de hoje.

quarta-feira, julho 8

O capítulo do baile


Escrevi um livro que se chama Vitrola dos Ausentes. Neste livro, cada frase é como se fosse a faixa de um disco rodando. Cada episódio é seguido de uma descrição, fala ou paisagem, e lá se vai o disco rodando por quase 100 páginas. Nada melhor então que levasse o meu relato para um baile. E isto acontece mesmo. É um capítulo chamado Grito de Carnaval e Adjacências e se passa no Baile do Seu Doca.
Eu devo duplamente ao Baile do Seu Doca. Foi também no Princesa da Serra um dos meus primeiros empregos. O Clube Princesa da Serra era o salão frequentado pelos mais humildes de Bom Jesus. Já não existe. Agora, em 4 de julho, teria completado 50 anos. Mas foi marcante. Acélio, Ernani Dutra, Homero animavam com gaita e pandeiro lá. E havia também uma dupla cover dos Irmãos Bertussi. Tocavam sempre aos sábados e davam o recado valendo.
Guri, eu era auxiliar de garçom lá no Seu Doca. Recolher garrafa. Espalhar a serragem na entrada da porta. Vender pedaços de galinha frita de mesa em mesa.
Seu Milito, dos últimos tropeiros (diziam que ele era parente mesmo de escravos) era como uma autoridade no Seu Doca. Respeitado, só a sua presença já evitava os começos de briga.
Nas paredes, pôster de lata de Pepsi Cola e cigarro Minister. Seu Doca (assador da Churrascaria dos Biazolli) era admirador de políticos e ficava contente com a presença dos vereadores. Do ex-prefeito Odilon Guazelli, do Seu Edmundo Jacoby ele vivia falando. Seu Doca era “MDB” no tempo da Ditadura.
Em 1994, esteve na Rádio Aparados da Serra numa memorável entrevista. O Princesa completava 35 anos e apareceu por lá com as Atas. Estava tudo registrado e Seu Doca tinha na memória o início do Clube. Até abrir o seu Salão, apenas os Irmãos Cascata promoviam bailes. Como não era “clube”, tinham lá problemas com a igreja. Os padres implicavam com o “carnaval dos Cascatas”, e organizavam mesmo a “Semana de Arte” quando chegava a época.
O que havia de tão errado com o Carnaval?
Neste contexto é que surgiu o Princesa da Serra. Como o nome indica, era uma homenagem à princesa Isabel e o clube fora fundado para congregar os negros. Os carnavais mais autênticos eram lá no Seu Doca. Meu padrinho João Maria (que também era da Umbanda) organizava os cordões e os blocos. Grandes bailes. E restaram como história dos negros do nosso Bonja.

Crônica no Pioneiro de hoje.

quarta-feira, julho 1

Volver a Scott McKenzie

No começo dos anos 80, fui morar numa casa de estudantes, a JUC Casa 7, na Rua da República, em Porto Alegre. Minha Tia Noêmia tinha sido a cozinheira da casa por cerca de 20 anos e fui bater lá. Éramos todos do interior. Havia gente de São Borja a Panambi e as preferências e as ideologias davam o tom daquela diversidade natural. Havia quem lesse o Assim Falou Zaratustra, do Nietzsche, e também quem muito ouvia Volver a los 17, com a Mercedes Sosa.
Eu tentava decorar o Operário em Construção. A casa era bem isso aí. Chegamos a receber o Flávio Tavares, de volta ao Brasil, para que relatasse a sua experiência no exílio. Como se vê, era um ambiente politizado e de muita reivindicação: a JUC estava por fechar por falta de pagamento do aluguel.
Certo, peguei a casa nos seus estertores, mas ainda assim valeu. As assembleias eram obrigatórias e mensais. Havia uma tensão permanente com o despejo e foram assim meus primeiros semestres na faculdade que começava ali.
Em meio a isso, nos finais de semana, eu saia pra variar o ambiente. Visitava a minha antiga família adotiva de Bom Jesus (eles tinham uma boa coleção de discos, até um antigo do Scott McKenzie, que trazia San Francisco). Tia Elsa, o pessoal da Tia Linda, Oneide, o Celso, estavam todos em Porto Alegre. Lá, reencontrava também o Joãozinho, meu irmão de criação, e que falava das novidades da música. Num domingo, me disse, “escute isso!”. Era Billie Jean.
Como escrever agora sobre Michael Jackson que não pareça piegas e redundante?
O fato é que o Joãozinho vinha da Discolândia (a casa de venda de vinis em Bom Jesus) e sabia tudo da “era disco”. E era muito bom o que ele mandava ouvir. Michael Jackson era mesmo 100 passos adiante. Uma mistura de James Brown, Fred Astaire e Charles Chaplin. E inaugurava o clipe na tevê, todo esse bláblá que agora se falou.
A trilha daquele tempo na JUC acabou sendo Mercedes Sosa. Mas sempre restava aquela boa batida de Billie Jean. Convenhamos, uma bela mistura. Disparatada formação cultural.
Essa junção, essa mescla de coisas que se vai apreendendo na vida, transparece no que se escreve depois. E é o que tenta Raquel Weber desvendar de um dos meus livros agora, no mestrado de Letras da UCS. Apresenta seu trabalho este mês. E eu só tenho a agradecer.
Crônica no Pioneiro de hoje.