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terça-feira, setembro 30

O Carlton será queimado

Eu sou dependente do cigarro. Fumo desde a adolescência, sou um escravo da nicotina. Sempre soube que não me livraria fácil do cigarro porque o meu organismo está acostumado à droga. Necessito disso como alimento.
Sempre achei que só um tratamento médico ou de choque me tiraria do vício. Por exemplo: que a Souza Cruz (da qual sou um dos sócios majoritários, tanto eu contribuo) falisse e eu ficaria sem a marca que consumo.
A Souza Cruz não faliu, mas está fazendo o inacreditável. Eu fumo Carlton. E eu soube agora que a Souza Cruz vai tirar da praça o Carlton. No mês que vem, não mais fornecerá em São Paulo. E depois estende para todo o Brasil o expurgo do Carlton.
O que eu sempre imaginei como um “delírio” que me tiraria do vício a Souza Cruz agora contempla. Acho que desta vez eu paro.
Explico: é que sou viciado apenas em Carlton. Caminho quadras, já encarei madrugadas desesperado atrás do Carlton.
Quando arrisco outras marcas na hora rejeito. Se compro Free, que é mais fraco, mastigo uns 40, quando minha média é 15. Se fumo o Malboro, vou a nocaute, este é o pior de todos.
Acostumou correr em minhas veias a nicotina do Carlton. Eu só quero ver depois de outubro.
Conheço bem os meus pulmões e vem aí um Dunhill (o Free dos ricos!) no lugar do Carlton.
Dunhill, dizem, é suave (cigarro suave?!), é quase um cigarro light. E aí estou ferrado e salvo. Não sei de outras pessoas que, por natureza, rejeitam estes adoçantes. Eu não posso, é um balaço, não é refresco.
É que minhas tripas, fígado, esôfago, não agüentam isso! Qualquer Zero Call da vida já embrulha, um verde dum Hollywood já não dá certo.
Pronto! Esperemos não encontrar mais em Caxias o tal Carlton para ver como vai ser. E confesso que está engatilhada aqui a frase, “já vai tarde!”, mas ainda não me atrevo. É que até hoje fui mais fraco e me mantive nesta dependência burra.
Não houve a recíproca. É o Carlton que me abandona.

(Crônica de amanhã no jornal Pioneiro.)

sábado, setembro 27

A Lenita de Júlio

O meu primeiro livro na internet teria de ser um supra-livro, uma boa história e estilo que me convencessem a torrar de tela em tela, o que é um saco. E, finalmente achei um dessas grandes figuras da nossa literatura, o bisavô do Ivan Lessa e trisavô da Juliana, como aprendi aí na wikipédia.
Ele foi um ardoroso abolicionista e só por aí eu o tenho em alta conta — além de ter legado a bandeira que é hoje do estado de São Paulo, concebida para ser a bandeira brasileira, tão logo o fim da escravatura e a República que nascia.
Estou falando de Júlio Ribeiro, o escritor naturalista (eu sou mesmo uma contradição, quando agora só se fala em Machado, eu venho aqui com o Júlio Ribeiro, que é escancarado o que Machado fazia com sutileza). JR assombrou os leitores e a igreja (em minúsculas, claro) em 1888, ao lançar a sua noveleta A Carne.
A descrição do bonito corpo de Lenita é feita de uma simplicidade e de uma sutileza tão aberta, e Júlio Ribeiro alcança tamanha plástica que provocou a ira de um certo padre Senna. A coisa descambou à polêmica.
O padre teve uma nesga de genialidade e lança o ataque com um texto intitulado: A carniça.
Julião contra-ataca, tascando no padre um “urubu” sem meias-palavras.
Chega de blá e vamos ao trecho da Lenita do cara:

“Depôs a espingarda e junto dela o chapéu de palha, de abas largas, que a protegia nesses passeios, começou a despir-se.
Tirou o paletozinho, o corpete espartilhado, depois a saia preta, as anáguas.
Em camisa, baixou a cabeça, levou as mãos à nuca para prender as tranças e, enquanto o fazia, remirava complacente, no cabeção alvo, os seios erguidos, duros, cetinados, betados aqui e ali de uma veiazinha azul.
E aspirava com delícias, por entre os perfumes da mata, o odor de si própria o cheiro bom de mulher moça que se exalava do busto.
Sentou-se, cruzou as pernas, desatou os cordões dos borzeguins Clark, tirou as meias, afagou corrente, demoradamente, os pezinhos os breves em que se estampara tecido fino do fio de Escócia. Ergueu-se, saltou das anáguas, retorceu-se um pouco, deixou cair a camisa. A cambraia achatou-se em dobras moles, envolvendo-lhe os pés.
Era uma formosa mulher.
Moreno-clara, alta, muito bem lançada, tinha braços e pernas roliças, musculosas, punhos e tornozelos finos, mãos e pés aristocraticamente perfeitos, terminados por unhas róseas, muito polidas. Por sob os seios rijos, protraídos, afinava-se o corpo na cintura para alargar-se em uns quadris amplos, para arredondar-se de leve em um ventre firme, ensombrado inferiormente por velo escuro abundantíssimo. Os cabelos pretos com reflexões azulados caíam em franjinhas curtas sobre a testa indo frisar-se lascivamente na nuca. O pescoço era proporcionado, forte, a cabeça pequena, os olhos negros vivos, o nariz direito, os lábios rubros, os dentes alvíssimos, na face esquerda tinha um sinalzinho de nascença, uma pintinha muito escura, muito redonda.
Lenita contemplava-se com amor-próprio satisfeito, embevecida, louca de sua carne. Olhou-se, olhou para o lago, olhou para a selva, como reunindo tudo para formar um quadro, uma síntese.Acocorou-se faceiramente, assentou a nádega direita sobre o joelho esquerdo erguido, lembrando, reproduzindo a posição conhecida da estátua de Salon, da Venus Accroupie.
Esteve, esteve assim muito tempo: de repente deu um salto, atufou-se na água, surgiu, começou a nadar.O lago era profundo, mas estreito. Lenita ia e vinha, de uma margem para a outra, do paredão ao açude, do açude ao paredão. Passava por sob o jorro e dava gritos de prazer e de susto ao choque duro da massa líquida sobre o seu dorso acetinado.
Virava de costas e deixava-se boiar, com as pernas estendidas, com o ventre para o céu, com os braços alargados, movendo as mãos abertas, vagarosamente, por baixo da água.Voltava-se e recomeçava a nadar, rápida como uma flecha.”

terça-feira, setembro 23

Lapidário para um banqueiro


Cifras, rubricas, eu vivi a liturgia do dinheiro. A Terminologia desta doença que sempre procurei manter mais próxima. A Verdade, a dedicatória mais tranqüila, o elogio mais sincero é o que deixo agora neste mármore. A sabedoria que traz um velho: eu nunca rasguei o dinheiro. Eu prezei o dinheiro, invoquei a sua virtude e estabeleci a sua seqüência nobre: de dinheiro em dinheiro se faz o monte. E eu fiz. Eis a minha sistemática. Nunca pisei em alguém por dinheiro. Eu soube do dinheiro o seu sentimento. E o que me deu o dinheiro é quase indescritível. Acordei, fui acordado e o meu sonho inteiro e pleno: o dinheiro! O meu amor em dinheiro. O meu teatro, entreato e todo o meu pagar o pato por dinheiro. Se eu fui feliz? Como valorar a minha felicidade se enfrentei ideologias? Mas, talvez, tenha eu vivido a felicidade, e, como disseram, eu me “vendi” ao dinheiro. Sem pestanejar, eu me vendi satisfeito. Dinheiro? O que é? No juízo do padre havia o dinheiro. Eu conheci gente e as suas limitações com o dinheiro. Não se compararam a mim que ouvi o eco do vil metal e plasmei a idéia. O meu amor tão só e solidariamente ao dinheiro. Ao dinheiro e ao seu apelo. Como o mais favorito esporte, o dinheiro. Por isso, o meu testamento se resume na indagação: de onde o dinheiro nasce? E outra: Como morri no dinheiro? Pratas contadas, ladainha sem tristeza, o meu testamento invoca a força e a ação do dinheiro. O doce dinheiro, o meu extenso índice de práticas voltadas ao acúmulo. Eu soube fazer de todos os meus motivos o dinheiro pelo dinheiro. Joguei dinheiro. Provei dinheiro. Respondi e expliquei pelo dinheiro. A minha liturgia foi a liturgia do dinheiro. Cláusulas para o dinheiro. E acrescentei cláusulas para iludir pelo dinheiro. Em meus fundamentos os meus 14 dinheiros. Em bi, em mi. Tive mulheres a escolher sapatos por dinheiro. A matéria do dinheiro sempre como o meu norte. Causa, fundamentos, respostas? Eu entendi a psicologia do roubo perfeito. Por isso, minha ode ao dinheiro. À sua feitura, à sua fartura e à escravatura do dinheiro. A escravatura que liberta!! Eis a minha metáfora, salmo, reza e versículo: dinheiro! Estalam os meus dedos. O canto da sereia do dinheiro. Jesus vem sentar aqui perto, Jesus vem falar de dinheiro. É o Jesus remunerado, é o resumo da vida em minha lápide.

(Texto para o jornal Pioneiro de amanhã.)

terça-feira, setembro 16

O golpe na mendiga

Guilherme Fontes, que até sexta estava aí lépido e faceiro na novela das 7 da Globo, “deve” ao cinema brasileiro R$ 12 milhões pela realização de Chatô, que não concluiu. E não termina mais: os atores já “envelheceram” depois de algumas cenas gravadas há quase 10 anos e a prestação desta “pequena importância” até hoje não chegou em Brasília.
Ao cinema gaúcho, Concerto Campestre, de Henrique Freitas Lima (na sua prestação de contas divulgada agora), talvez precise esclarecer porque aparece incenso, absorvente higiênico, pêra importada e até multas de trânsito de sua então Produtora, hoje integrante do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul.
Acabou sobrando para o Concerto porque a RBSTV vem denunciando alguns produtores culturais que andaram aí fraudando a Lei de Incentivo (aquela que o empresário financia projetos e depois abate no Imposto de Renda) e isto é o pior que poderia acontecer.
Desfalques, desvios em outras áreas, até se tem suportado. Na área econômica (bancos, telecomunicações, transportes), fortalecida em suas bases, os rombos têm sido absorvidos.
Agora, fraudar a cultura, isto arrebenta pelo meio. Arrebenta porque a cultura é a área mais desguarnecida de todo o sistema.
Não faz muito, escrevi aqui uma crônica chamando os artistas em geral de “mendigos culturais”. Só passando a bandeja para se sobreviver e fazer arte em nosso meio. Pois é desta bandeja que se serviram agora alguns produtores culturais, falsificando assinaturas para aprovação de projetos, com prestações de contas aí também sob suspeitas.
O estrago é imensurável. É estrago da credibilidade. Se, antes, os empresários já olhavam para a cultura de soslaio, imagine-se agora.
Só há uma coisa a fazer: identificar os projetos ilegais e banir de vez da cultura os seus autores.

Crônica para o jornal Pioneiro de amanhã.

quarta-feira, setembro 10

Cruz e baliza

Recordo que sepultei minha mãe bem como se sepultam as mães, um pedaço da gente indo pra sempre. Como se diz depois, já não haverá presépios, já não haverá casa tabuada, cebola-verde, batata fatiada, nem o cheiro bom da cozinha.
Exatos hoje cinco anos. Voltamos a Bom Jesus pela Estrada do Sol e era muito frio. Havia neve, como se fez agora de novo, e pela primeira vez voltavas assim: morta. (Não, esta não é uma frase burra e óbvia, é a pior coisa que nos pode acontecer).
Querida, viva é a lembrança ainda neste meu espírito que já não está para livros. Cinco anos sem presépios, cebolas e tal. Aprendi que um homem se preserva ao se afastar de suas idéias tristes e se agüenta bem a saudade. Só por isso escrevo agora, mãe, e não devia. Estico a minha mão para o teu descanso eterno mais uma vez. Venho eu cá com as minhas novidades sem que me convença esta página sobre os teus analgésicos.
Não é disso que estamos falando? De febre, de ausência? Hamham! É a pantomima do filho forte, impávido, colosso, temente à pressão arterial.
Num sonho meu de outro dia entravas. Pata-Choca minha mãe de novo com o sorriso seu. Que baita azar da cegonha cruzar com a senhora, não foi?!?! E as nossas preces depois em macumba porque nos negaram o batizado??
Uma cobra do couro rajado me inspirou a escrever. E há também uma capa da gaita em Vitrola que foi do meu tio Sebastião. E há um revólver, de ouro, com cabo de madrepérola, que foi do Washington Luís. Escrevi assim, por partes, o que vi. Mas escrevi num mesmo bloco aquela parte inteira de tuas dores porque era o que te coube viver. Zanzando pela cozinha. Cortando cebola-verde, fatiando as batatas, preparando sei lá mais...
Escrevi naquele bloco a tua dor!
Fatiava batatas. As tristes botinas no MASP eu só vi depois. Um Hino ao Contrabando eu bolei também, mãe! Mama morta no Pompéia! Equilíbrio no dinheiro eu consegui, mãe. Nas pernas boas da moça deitei meu olhar.
Livros, não fosse minha impiedosa autocrítica, escreveria aos quilos. Não me falta o ranger das tábuas, o giro que faz a bússola, a geometria e todos os meus erros e a tua valsa preferida que ainda não desgravei.
Eu recordo, e eu recordo com muita técnica: a grávida com pouco inchaço que um dia saiu da pia para o parir. Meu pensamento constante tremula em bandeiras do Bonja. Duas vezes já sem uso o teu título e o teu voto que eu julgava imbecil. Nunca votamos juntos, eu sei.
Exigem baliza para a minha Carteira, mãe. E, se te recordo, eu rezo. Como hoje e só.

Crônica de hoje no Pioneiro.

segunda-feira, setembro 1

Dante, Otelo e Guilhermino

Uma das fotos que eu mais considero é um abraço do Dante de Laytano no Grande Otelo. Ampliada, ficava na entrada do gabinete do professor Dante, que foi um estudioso, um dos primeiros da trajetória do negro no Rio Grande do Sul. Otelo, como sabemos, era baixinho, aquela figura bem-humorada, um dos maiores atores que o país já teve. O professor Dante era bonachão, bochechudo, e o contraste entre os dois é que dá beleza àquela fotografia.
Dante de Laytano era uma figura. Historiador, pesquisador das influências açorianas em nosso meio, por muitos anos professor na UFRGS, tinha criado uma fundação em homenagem à sua viúva, D. Ilha. Foi através desta fundação que andei depois lá por Toulouse. E sem contar que muitos dos meus primeiros poemas era o Dante quem lia. Já devia estar quase nos 80 anos e tinha paciência com aquele “poeta”. Tenho guardada uma sua “apreciação” daqueles textos, que seria a orelha do meu primeiro livro, jamais editado. Os poemas eram bem ruinzinhos.
Eu vivia de corpo e alma a história de ser escritor, e mais ou menos na mesma época, também fui conhecer o Guilhermino Cesar. Era outra figura. É o autor de nosso melhor estudo sobre a dita “literatura gaúcha”, numa obra intitulada História da Literatura do Rio Grande do Sul. Estão aí os primórdios.
Guilhermino foi um dos assíduos colaboradores do Caderno de Sábado do Correio do Povo, no tempo ainda de textos longos e bem argumentados. O melhor daquela colaboração está sendo publicado pela editora da UCS.
Retomei por estes dias as pesquisas de Dante e Guilhermino. E então me dei conta da minha ousadia. O encontro com Guilhermino, a convivência com o Dante de Laytano, foram conquistas, privilégio. E, posso dizer, fortuna pessoal acumulada.


(Acima: Dante de Laytano em seu gabinete. Foto: Banco de dados Zero Hora. Texto para o jornal Pioneiro de quarta-feira.)