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sábado, abril 29

A ceia do seio

O humor do seio eu venho servindo em pires, tem sido o meu catecismo, a graça do que eu escrevo, a minha maior devoção.
O seio eu tomo. O seio eu mastigo, pinto e bordo, é só passar os olhos pra logo notar:
o seio sempre, sempre o seio, o santo seio na minha ceia virtual.
É tudo em família, pois: o seio obsessivo é primo-irmão do meu humor.
É seio de pernas longas, humor fino, um certo requinte, mas usina de formigueiros até chegar e postar.
Dá trabalho e eu aprendo. Eu aprendo a me banhar e mergulho, e mergulho o meu peito na graça, e é um texto que espuma e nada este que vem bater aqui.
O seio do humor anda aqui como um marreco. É um seio de humor, torneado, pateta, e este cheiro de leite a azedar.
É quando o seio do humor se estupora. E é seio com catapora e bronquite se invento de aqui errar. Sai rouco, um seio que se queixa e urina se não conseguiu expressar.
É como reza, beijo ou chima. Isso vicia. É um humor que não se controla, que não ganha dinheiro, mas não perde uma deixa, não!
É um texto que só me serve e zomba. Elegante, vá lá, destrutivo!, mas se alegra ao cachorro, se dispensa aqui o patrão.
É o seio na penteadeira e não tem anedota, é humor.
É diferente. É um seio simples, de gente, só que boto uns pontos e vírgulas no intuito de atrapalhar.
Mas, obedece ao vocábulo, não condena, é um texto bem justo, sem pena, é o fazer de um juiz sem réu.
Não tem moral.
Portanto, é um humor corrido, muitas vezes, olhar triste, sofrido, mas sempre com cheiro, tempero e sabor.
É o estábulo, a cocheira e o curral: o meu seio depende de Bom Jesus!
Entendem?
Vim de lá. Olha o sotaque. São uns erres mais vivos, são uns “quês” que acertam em cheio, é um peito de mãe que transborda aqui: a mesma algazarra das vizinhas dela, os seios e o humor daquelas que me seguem também.
Detalhes?
Detalhes tão pequenos de umas quantas mulheres, de como este mundo anda, de como se ajeitam as melancias na carruagem a andar.
Isto é: louça antiga em moderna geração.
Sorvam aí!
pr

sexta-feira, abril 28

Camisola

Ah, que a mulher de camisola vem e vem neste gostoso dormir prolongado. E depois se desloca, como anda disposta!, move o mundo pra lá e pra cá...
É este andar da camisola pela casa que nos dá saudade quando o amor ausente.
É. É esta falta da camisola de corpo presente, a camisola cosida, rendada, que nos faz falta, pois nem na Bíblia tem.
Não, não. Não falo da camisola como avental, essa que encosta na pia, e não deixa de ser macia, mas não fica bem.
Quem já não viu? Camisola assim não dá.
Camisola é a pura vaidade. Justa então, é peça rara, ela é mesmo tri essencial.
Camisola no hospital é imprescindível!
Camisola chata, do medo, da doença, mas é a mesma que não guarda segredo, a camisola que engravidou!
Esta é a mais. Ela estica, enobrece, como vela de um barco se enfuna, comparável só à camisola na tarde, essa doce transparência que se estende da manhã.
Ah, que a mulher vem e vem neste gostoso dormir prolongado!
Carrega a vida nas costas assim de camisola. E a vemos, nem basta tanto, a sair para o pátio, no gramado, lá a estender suas coisas no quarador.
Ainda de camisola a mulher que anda. Coisa linda, porém, é camisola que dorme. Sim, aquela do guarda-roupa, bem acima, exibida, segregando todos os vestidos no seu Tô nem aí!
E é assim que ela nos guarnece a lembrança do amado corpo da mulher.
A camisola.
São várias as formas e em qualquer estação: de verão, camisola de inverno, há a camisola do mimo, dos seios, a camisola da cólica, camisola até pra irmã apostólica, que é a camisola do perdão.
Há muitas.
Camisola do Benfica, por exemplo, se diz em Portugal.
Mas preze mesmo a camisola rica, a seda, estilo oriental, já viu? Da magra, da graúda, a camisola da viúva?? Ah, como ainda casa bem!!!
A camisola pobre, por fim, também considero. E uma tarde, a pintei, fiz retalhos. E a camisola que eu fiz em frangalhos mostrava um bumbum.
Que, escrupuloso, em seguida tapei.
pr

quinta-feira, abril 27

Mostra de sorte

A sorte do vivo é o desmaio.
A sorte do fogo é a brasa, do cravo é a rosa, da espuma é o sabão.
A sorte vendida no Shopping é a sorte da banca, sorte em exposição.
Sorte no canto do ouvido, a sorte num corpo de sogra, a invenção do sutiã.
A sorte que se diz, a sorte se quer, a sorte, quem faz a sorte é o freguês.
Pra formiga é o trevo, pra canção é o yes!
No teatro se diz, Merda!, no gibi era um Gastão, na sorte da Matemática, sobra soma ao subtrai.
A sorte do balaio é o gato, a sorte da fome é o prato, não a temos, é azar.
Mas há sorte pra todos os lados.
É a sorte na queda dos dados, é sorte nas cartas viradas, é a sorte vendida, dieta, capa da revista Mulher.
Leiam a sorte!
Temam a morte!
A sorte é destino, um baita acaso feliz:
ou a sorte do Opala não foi o Chevette existir?
pr

quarta-feira, abril 26

Bom-Bril

Numa certa noite, o Valvite viu como um dos gatos veio: desconfiado, andando em volta, cheirando o engradado antes.
O Valvite tremeu de nervoso.
Era uma caça esperada, um gato que só destreza, uma caça pra paciência e muita atenção. Desconfiado. Era um gato do pêlo preto, que se confundia com o escuro. Que só se deixou se prender traído pelos miúdos, pelas tripas, por um segundo de distração. Foi só o quanto deu. A linha esticou-se, firme, e o caixote baixou de brusco. Ah!, que o gato se debateu já unhando, que embolou-se bicho e isca, que já era um diabo que tava ali.
O Valvite então, o coração acelerado, veio do escuro e se aproximou da caixa com a lanterna. Mirou na cara do bicho preso e parece que até vibrou.
E o gato, ao sentir a aproximação e o cheiro do ronda, ao ser focado pela lanterna, ron-nou, mostrou as garras, circulou raspando e tapando com terra seca a sua isca, a traição.
— Não é que te peguei! Não é que te peguei, que o pariu! — gritava o Valvite, o Valvite já colocando uma pedra por cima do engradado.
Bom-Bril. Esse era o nome do presidiário na caixa. Era assim que chamavam o gato por causa dessa sua já famosa cor ligada ao pêlo preto. Um pêlo preto-preto, puxando pro azulado. E o Bom-Bril, com os olhos azuis no escuro, era mesmo um mau anjo enviado.
Trecho do conto, Cabeça, pescoço, gato destroncado, presente na coletânea Contos do Novo Milênio, recém-lançada pelo IEL, organizada por Charles Kieffer. Confira mais clicando abaixo, à esquerda, em obras do autor.

Contos do Novo Milênio

Contos do novo milênio é uma antologia que reúne 40 excelentes contistas do Rio Grande do Sul.
Para organizá-la, li centenas de livros de contos publicados em nosso estado entre 1980 e 2005. Este trabalho dá seqüência à obra de Maria da Gloria Bordini, 35 melhores contos da literatura do Rio Grande do Sul.
Lidas em conjunto, as duas obras abarcam mais de um século da história curta em nosso Estado.
Charles Kieffer, organizador da coletânea

Frei Getúlio quer apito

Esta foto é do Carnaval de 1963, no Clube Juventude, lá em Bom Jesus. Um ano especial, era o Cinqüentenário do Bonja e frei Getúlio apareceu paramentado de índio!
Braços ao alto, apito na boca, cocar na cabeça, frei Romano Toigo traz ainda duas espadas de plástico atravessadas na batina. Vem suado, o rosto ardente, segue outros capuchinhos que escaparam do flash.
Aparece aí também o casal Ana e Adair Hugen, fotógrafo por muitos anos no meu Bonja.
Quer saber mais? Clica acima, à direita, na crônica da semana, que fala do frei e dos 50 anos do Ginásio de Bom Jesus.

terça-feira, abril 25

O céu passado

O céu passado em claro, o céu da dor de ouvido, remédio, com quem aprendi a rezar.
Céu passado, o meu céu predileto, eu ateu, bem e mal, réu confesso, o céu que se estendeu.
Foi uma mão, foi o melhor presente, céu rogado, das meias furadas, céu que seguia a passos a caminho de Deus.
O céu passado e a tua bolsa esquecida. O céu passado e a minha desculpa perdida, o céu que não conta, pois levou pra si.
O céu passado em segredo, em metáforas, da saliva que beija e assa, dos pensamentos em uma só vez.
O céu por quem os sinos dobram, o céu por quem os tangos enveredam, o céu que enrola os tolos, os tolos por céu.
O céu nas madrugadas, o céu da dor de umbigo, o céu pro escambau!!!

E, quem sabe, era o amor,
as suas coisas juntas,
o céu que passou!
pr

segunda-feira, abril 24

Carta aberta a um amor

Querida!
Venho por intermédio do meu coração dizer do sentido, dessa coisa tola, intensa, a paixão mais profunda que já vivi. Não é pouco, minha cúmplice! É andar por aí perdendo o sono, o tino, com ciúmes, mandando o mundo inteiro pro escambau.
Tão bom não mandar flores. Meu amor, receba então nestas linhas as melhores recordações. É buquê, carinho, espécie de um filmezinho que repasso por nós. O melhor de tua preguiça, sou eu acordando feio e você a lembrar de fazer xixi. E fez um xixi bem na íntegra e lembra, pequena, que dia feliz?!
Humhum! Coisa boa, nem te conto. Foi você quem adiantou o trabalho só pra vir abraçar. E eu tremi os braços, tu, as pernas, e assim construímos ofegantes o instante feliz. Na mansidão do peito, a cabeça. E o teu colo que aconchegava o Martini que bebi!
Ah, que eu te conto em público!! Nós ouvimos Nelson Ned. Nós gostamos de pêssegos sei lá por quê! E também de boa pizza, bordas, massa grossa, nós sempre lembramos a melhor refeição. Amor, pré-amor, pós-amor... O amor lembrado. E a cuca sabor de framboesa. Lembramos dos nossos cafés. E sorvete, pato, javali, até amora, você não fez a pipoca que eu comprei... E eu comprei microondas. E vinho tinto, já disse?, eu parecia abobado quando aprendi chimarrão.
Eu te apelidei de pássara. Eu invoquei a cópula das águias num verso de doer. Era a nossa intimidade e olha a nossa intimidade aqui.
Quero dizer o que com esta carta? Quero dizer que o nosso amor é público, imensurável, miudinho, igualzinho a todos, pois. Nós que o construímos. Ele conquistado por nós. Com nossos defeitos e falhas, aprendendo como se faz: amor marcado, amor amadurecido, amor inconstância de nós. Gênios fortes, almas afinadas. Tu és a mulher mais amada que aconteceu.
Brava! Pássara!
E por isso publico, e por isso adoeço, uso por toda a vida o teu creme dental. E no sabor dos teus dentes roçados a minha língua que busca as palavras por dizer.
Eu te amo!
Coisa universal. Isso que todos dizem, confundindo o tu com você!

sexta-feira, abril 21

Anatomia de um rosto

Eu vou plagiar o teu rosto na filha que vais me dar. Quero recopiar tuas pálpebras, lábios, pele, cada um de teus traços de expressão. E quero vazar de ti as formas, buscarei por rasuras a catarse, a tola ternura que te roubarei. Nítida, plena, filha, sonho que será viga, legado, o nosso esperado bebê.
Ao novo ser tudo de ti eu quero, contorno, traço severo, farei de teu colo o trono, o embalo do sonho sonhado que furtivo chegou. É o desdobro do que tive represado, reprimido, sempre alerta, por fim descoberta e pronta a explodir: berros do berço, terço no parto, pintarei o novinho quarto com o dom do dizer:
Amor de carne, louco! Amor singular, múltiplo, à mostra, eu lá sei de que forças este amor eu formei!!
É criança, veio vindo, veio. Amor, bochechudo, pleno e cheio na forma que tomou. É a gravidez assim que te precede. Sabes, mulher grávida, essa é a desrazão que se mede, é o tamanho desse ser.
Alvura, rosto, figura. Essa forma de anjo seja feita à sua mãe. Por isso, o plágio de ti. Por isso, mulher madura e feita um dia será. Para que outro também a sonhe, seus cheiros, suores, poros, todos os seus defeitos de humana ele também os verá.
A moça querida que crescer serás tu de novo. Será o amor repetido de agora na forma que o tempo passar.
Fala-se aqui na filha. Fala-se aqui na permanência do amor. Fala-se aqui na permanência latente de todo o homem querer ser pai. Quis não, o senhor, ter sua filha? Não quis vê-la também moça, educada sem prataria ou louça, sei lá?
Sabe-se, esse é o orgulho maior! Se for rainha, seja rainha feia aquele que contigo quero ter. Para que jamais a coroem, recopiem, pai sente ciúmes que nem sonhei.
Com um dedo indicador esse anjo criança me aponta. Tonto, sonso, burro, homem idiota, refaço em plágio o rosto teu. E escravo, piegas, ponto de fuga, sou um simples homem exposto ao chavão.
Mas o que devota, se devora, no berço jamais chora, porque fazer criança é da espécie, não tem segredo, fórmula, magia, é o homem seguindo o destino seu: viver, se reproduzir.

quinta-feira, abril 20

Abdome na operação

Eu sou quem fica pensando, o maior golpe do mundo, clicado de mão em mão.
Engraçado, o inventor da cachaça, dependendo do vento soprado, sou padre, dou flores, falo aqui de hortelã.
O mau gosto sou eu. Eu sou a espia no banheiro, e sou mesmo a gargalhada de um perdido amor.
O maior golpe. Minha vida na sua, link aí 3 por 3.
E nem lhe interessa, mas você lê.
Você vicia nisso: nas minhas mortas cidades, se solteiro ou viúvo, se eu sinto saudade, eu sou um canto de bar.
Uma vez por dia entregue ao mouse eu tropeço.
E se sou trôpego, virem a página, o que será que querem comigo, pretendem dançar???
Não me queiram. Que sou o porco, penico, pataratas, eu faço cada uma mesmo, eu venho aqui de São João!
Em junho, quem sabe?!, é possível.
Eu vivo. Eu sou outro. Sabia que já me disseram “se parece não sei com quem!”
Louco! Louco! Louco!, foi o que também me disseram quando eu disse que te amei.
Eu confesso, sou às vezes o que pareço, o que não sou, não fui.
Ou será, que será, doravante, freguesia do blog, tire as mãos de mim!
Urubu de afetos... mulheres na Júlio!
Não me amassem, por favor, é o meu único smoking, deixem que eu me esfarrape, cadê a Lei, a Lei????
Vejo suor nos meus pés, vejo que sangram no Congresso!
Eles estancam, eu me calo, eu sou um cara que falo mais de mim, ah, vocês!!!
Uma vez, ou quatro, ou cinco, me pedem essa ladainha, essa minha escrita porrinha, um vitrolar, eu dijêi.
E eu encaro. Eu vou no ritmo deste batente, escritor que não vende, meu tato que não afinou.
Nem a forma, a regra, a expertise do Português!
Eu me entrego à polícia, por isso!
Eu me arrisco, eu busco uns assuntos, eu já vi um cara gritar, acertei!
Na mega ou na trave a luz suave é a da solidão!
Salve a luz que dá dó!
Para o caramba!
O vidro é sapateado ao gosto do freguês.
O cara sorrir pra si dá crônica, um texto, este pequeno deslize que emagrece, rejuvenesce, a crônica sou EU!
Amante sem tom, esculacho, isso e aquilo é o meu papo, meu tão surrado blablablá.
O que não se aproveita se encontra aqui: nada, nada, nada, a gemada. A verba da Apae que sumiu.
Hora vaga, e eu aqui!
Hora amarga, e deu pra mim!
E vou. Sou um valete jogado, sou um rosto recortado, dança, teatro, palhaço das Antas, sou balsa lenta no rio.
Eu boiando. Eu com a boca na grana. Se eu penso por encomenda é porque vão me pagar.
E eu penso. Repenso. Eu sou uns duzentos a bufar de rir!
Eu sou cúmplice, sou otário, eu sou o melhor falsário em se tratando de mim.
Na real, eu invento. Eu sou um porre, sou chato, eu busco uma fuga contínua, eu sou um caixa que estourou.
Sou erro.
Tombo.
Surdo.
Eu sou abdome exposto no bloco de operação.

Em Deus e Senhor!

quarta-feira, abril 19

Poema errado pra Lurdica

O poema queria falar de um rio
Mas dizia de um rio sem conhecer a chuva
E esse era o erro do poema
Um rio tristonho porque queria conhecer a chuva
E, pelo poema, nunca conheceria
Nunca!

O rio olhava a chuva
Era errada a poesia

E a garota gostava
O rio ia convidar a chuva pra dançar
Nunca conseguiria

A chuva achava de não chover no rio
Chovia noutro

E o rio tristonho

E Lurdica gostava
E chorava junto

E o poema dizia que não entristecesse mais seu coração
E a garota então ria
Ria do rio da música porque o rio era só do poema
As cachoeiras dele, as cascatas também
Só na tinha chuva
Não, só o frio, era o seu tempo

E o riozinho entristecido
Rio sem chuva não é nada

E o riozinho dizia pra chuva, me leve!
O poema pra Lurdica dizia isso
Cheio de erros, mas de bom coração

Há muito, soube da morte de uma irmã, Maria de Lourdes (que morava em Esteio e conheci apenas por foto), encontrada em Cidreira enroscada em redes de pescadores. Entre ilustras que agora preparava, percebi sua presença no desenho acima. Para ela, o texto.

terça-feira, abril 18

Silêncios cruzados

Não se trata de pregar na Bolsa, mas quando se cruzam as falas, é a razão que explodiu. Não esperou o seu tempo, saiu dupla, boca afora, e se palavra solta já não se pega, imaginem duas que jorram, há cavalo para alcançar?
Palavras que saem assim misturadas são o mel e o sal. É um poente com a Lua grudada, é a natureza que fica abortada na bagunça da expressão.
No Congresso é joio e trigo. Muito feio no rádio. O conceito de tal trapalhada é o que chamam “discussão”.
Eu só tenho dois ouvidos. Por favor, me digam, qual o remédio em procissão? Querem rezar contigo! Coletivo e super ligeiro, já viram como oram os irmãos da Universal??
Parece até teimosia. Sim, por ciúmes, carinho e apego eu já vi dois filhos falando por dez!
Opinar é partilhar, tenho escutado. Só que os sujeitos exageram, gritam, se escabelam, e o bem? Onde o mal?
Falar junto dá nisso. Já me fez rir, é de chorar. Eu já estive em “assembléia” em que se taparam bocas com a mão. A boca do outro, claro. Porque parecia um encontro de bêbados, imagine a cena aí...
E duas mulheres?!? Me digam. O que é que se entende em duas mulheres que perderam os papéis??? É a bolsa ou a vida, parece. E eu aqui me indispondo com elas, como já me estrepo com todo o leitor.
É que já disparei milhares de palavras aqui. Juntas, porém disfarçadas, umas que outras vírgulas neste meu sopetão. Chamaram estilo. Eu sorri (poucos me entendem!), vocês nem sabem o ouvido que eu apurei.
Treinei em Laguna, no carnaval retrasado. Aquilo é Sodoma e Gomorra, experimentem ir lá orelhar. É só um pedir e aceitar desculpas, uns 300 mil catarinas querendo dizer.
Bah! E eu que já ouvi tantas palavras cruzadas sempre me aquieto por não saber dirigir. Já prestaram atenção num acidente de carro? É precioso. Eu aprendo com eles. É o discurso da ânsia, da pressa, emergência, da suprema falta de educação.
Por isso, se querem saber, falar junto só dá certo em paquera: porque são ditas as mesmas coisas (os olhos!, os olhos!) e já é o prenúncio de um grande amor.

segunda-feira, abril 17

Mulher acordada, homens tolos

Ele disse que fica desesperado na ondulação do seu corpo. E ele fica entre a ânsia e a angústia na consistência do que a cama mostra. E se ela fecha os olhos, debruços, ele já compreendeu: fique também quieto, nem lhe fale.
E no acontecer desse silêncio, diabos, nesse silêncio feminino é que ele se põe de joelhos: é quando apreende a insignificância, apreende a fragilidade, bicho estremecido pela falta de atenção da mulher.
Quando pinta esse silêncio sem causa, ele, mudo, revoga tudo o que pensava ser. E se faz um homem no arrasto. E se arrasta porque o silêncio da fêmea é o que gira as estrelas, é por ele que os homens sofrem, agridem-se, choram, fazem a guerra e a paz.
A fêmea silente é o que move nossas passadas, é o nosso raio de luz.
Esse mudo virar de costas é legado de Eva, herança nossa, parte e costela, padecemos ao seu bom lado, mulher, no teu emudecer.
O silêncio desinteressado da fêmea é o que nos aguça, embeiça, amacia, é o nosso Máximo Demolidor Comum.
Todos padecemos disso, ao dar de ombros vago, ao pouco me importa da mulher.
É um silêncio que olha, toca, fere, é calor morto de uma noite sem sal. Lençóis aos pés, que vale o amor sem gozo?, o silêncio, silêncio a gritar?
Mudo amor que não abre lábios e apenas sussurra, “só se quiser”.
É brutal isso. E é o que nos domina, mais nos eleva, nos faz anjos decaídos sem mais Deus.
Não há precisão matemática, ciência, cadência de samba ou bode que nos alivie do não saber. O que se passa afinal nesse instante da força que emana da fêmea ao silenciar?
De onde vem, afina, agarra com muda força feminina o homem no contrapé?
Esse emudecer é o que faz o homem gemer, é o que faz a terra chorar.
O silêncio da mulher!
É o princípio do mundo restar ao lado da mulher que está sem estar. É o verbo em si esse calar. Luz sem voz, a Mulher, Divina Causa, nos precipita neste vazio.
pr

sábado, abril 15

Pequeno roteiro da paixão

Os lábios calmos, abertos, incertos sons das mãos em busca. Dos mamilos ao umbigo, à cintura num doce cocegar.
E num passe de toques segue trêmulo, frenético, vertigem, desejo, mistura de prazer e querer insaciável que nos paralisa o olho e nos enche do sem fim.
À essa carícia primitiva chamaram amor.
À essa disponibilidade pronta, a esse nem precisar dormir chamaram amor.
E a gente faz cada uma neste estado perplexo, de ficar de olho no teto, restar em doce oração.
Protege a nós, portanto, Senhor, dois tementes perdidos, mal-feitos filhos de ti!
E Deus com seu dedo aponta, diz ufaaaaa, meu Cristo, que faço?, o que faço com os dois?
Deus quer nos mijar.
Sentem aí, esperem um pouco, esperem passar a missa, espere que saíam todos e já falo com vocês!

E, por fim, nem carraspana se ouve, porque um Deus mais humano é que surge, pra entender nosso lado, a vertigem, o vidão do nosso amor.
O Senhor ganhou balas? Quer uma, pega essa, senhor!!
Agora nos deixe falar: eu a amo, ela me ama.
Deus conhece aquele salmo, é salmo, né? Amai-vos como a mim!
Pois é, nossas carinhas mostram isso.
O Senhor nos fez e agora embale, não nos cale, só proteja por nós.
Deus, o nosso amor, mais ou menos isso, é essa curiosa forma de se gostar!
Fantasia e carne. Carne e fantasia. Não é isso o resumo de toda a paixão??
É este o teu legado, o que nos veio. É esta a herança proibida que desde Adão nos ficou. Aquilo que nos aguça, a magia que empreguiça, amacia, tira as manchas do coração.
É um doce cocegar, não é? Vai às coxas, tremula, faz firula, é o movimento primordial.
Ventre e espasmos. Carícia brava e primitiva chamada amor.
É o mundo que nos acolhe, Deus, teu feito maior.
Portanto, não se irrite!
Queira ou não queira, somos imagens e erros vindos de ti.
pr

sexta-feira, abril 14

Cortejo da Crucificação

Nos tremores dos seios
no seio da tarde
com o aflito na trave
eu vi mulher
pr

quinta-feira, abril 13

A vida

A vida, a vida, a vida!
Gritei três vezes a vida quando pela primeira vez te vi.
Eu desescondi então a faca que trazia, o punho de capricho com que esbofeteava o amor, a aproximação de qualquer carinho, a ojeriza estúpida a toda atenção que me dessem.
Eu me desarmei. Minha mão eu cedi.
Humilde, entendi o nojento capricho que se rendia frente à simplicidade de tua oferta.
E pela primeira vez ouvi de ti a palavra filha.
Ao te conhecer, a generosa palavra filha eu ouvi.
E então escondi o meu rosto, porque eu, indigno, indigno ao procriar, vi em tuas mãos a calma do apelo que dizia, honra à espécie!
Honra, homem febril, abre em tia a fenda do amor.
E então eu desrepresei.
E eu vi em ti, a vida e três vezes não te neguei:
Vida! Vida! Vida!
Eu que esbofeteava o amor me rendi. Eu acusava o pleno golpe da aproximação do carinho e da atenção.
E rendido eu cedi.
Vida, vida, vida!
Dei-me ao casamento, as palavras solteiras quebravam.
Vida, vida, vida!
Havia generosidade em mim naquele instante. E, pagão, cristão recém parido, eu parti o pão e te dei. E eu não juntei os cacos e a carne da solidão que antes havia em mim.
A solidão, súbito, morreu. E herdeiro desta morte, eu decidi rústico, simples, a palavra boa que aprendia em ti:
Vida, vida, vida!
Gritei três vezes a vida quando pela primeira vez te vi.
Este texto é dedicado à Lu@, de coração

quarta-feira, abril 12

A mãe pronunciada


D. Carmem estaria hoje de aniversário. Três anos já sem ela, a lembrança é a da minha outra mãe por tabela. Dona Zezé, minha mãe negra de criação, também há anos morta.
Nasci em churrascaria, e por ali não dava, filho em cozinha, imaginem! E Oneide e Elsa, colegas então da Carmem, certa tarde me “roubaram”. Levaram o guri para a casa e só depois contaram. Estava com D. Zezé, a mãe delas, e seus 4 netos. Fui ser a criança onde havia o cachorro Dick. Criei-me ali até os 5 e foi isso: de Zezé recebi o carinho, os cortes pelas mijadas. Foi ela quem apimentou a camisa que eu insistia mascar crescido. E era também seu mascote, ela de véu, um véu muito negro, e os dois lá na missa.
Nem devia. O vigário me havia negado o batismo, nem importa, e D. Zezé foi a primeira morta de minha vida. Fui chamado para um beijo quando se despedia, pois ela morreu em casa.
E então de volta à Carmem. Ainda na pia. Agora Hotel dos Viero, mais impraticável. E fui mandado para uma outra José, a avó materna. Costureira, recém no Bonja, minha avó logo entrou pra Assembléia. Os cultos à noite, eu na Assembléia não entrava. Era minha fidelidade à outra, entendem?!
Coincidência, o templo era defronte ao Hotel dos Caminhoneiros. E eu ficava então ali, aguardando o culto. Era quando D. Carmem abria a janela. Eu debruçava vendo ela lavar pratos e colocando os assuntos em dia. Fiz arte, como ia o colégio, precisava sapatos??
Sempre assim os diálogos. Olho no olho, mas com uma parede entre os corpos. Pouco nos abraçamos na vida.
E na janela da pia, ela já de reumatismo. Mãos na quente, água fria, minha mãe já falava no “encosto”. Sempre bicos e papagaios e problemas nas juntas.
E andei em Porto, passei Europa, fui bater em Bom Jesus e Caxias. E D. Carmem sempre com as “costas e os joelhos”. Decidimos então que operava e foi a tormenta. E, ali, no Pompéia, a janela por fim se rompera. Eu a chamava de mãe no momento aflito.
A “mãe” nunca pronunciada. Porque aprendera o D. Zezé e D. Carmem, respeitosamente.

terça-feira, abril 11

Jalusa, Jelisário, Lenny Kravitz e quaquaquá pro meu desenho

Entre as excentricidades que tenho, uma delas é escutar O Divã. Misturar Lenny Kravitz com Os Bertussi, ficar num Beatlezinho nada mau.
Tenho sala de coisa antiga e a tralha pós-moderna que vá precisar.
E um monte de livros. Fitzgerald amparado num Atlas e no canto da estante uma pilha de velhos gibis.
E dê-lhe bule com microondas na cozinha. Uns vinhos presenteados, esquecidos, e bem no fundo guardado tenho o chá de hortelã.
Fotos? Só preto-no-branco. Gosto de Ana Cristina César e à tevê prefiro o jornal.
Gosto de doce de doceira.
Morena ou loura, não faz mal.
O que detesto é a palavra piedade, e, pelo sentido inverso, persigo antigas paixões.
Em Laguna, blasfemo. Em Caxias, gravata. Desse pra voltar a Lisboa, usaria o algodão.
Admiro o linho. Saco a rejeição. Pareço um sírio, solteiro, faço com meu pouco dinheiro um mundinho melhor.
Amo, seduzo, sou discreto. Se fosse eleger a “imagem”, elegeria sempre a amada, mulher.
Homem sem filhos, fama, louros, vai ver nasci pra cachorro e esqueço de latir.
Quá!, sou bem-humorado. Acácio, Clemêncio, Jelisário, vejam o meu santo sudário na hora de escrever.
Perseguido por cabra, peste e couro, eu já contei cada detalhe da égua que na infância vi lavar.
Porque eu vim do baixo, da procissão dos pedintes, me tornei um bom ouvinte e escrevi um novelão.
Zoinho, Zulmiro, Vazulmiro. Jalusa, Pedro Hortêncio, Seu Belé. Eu não esqueci daqueles ausentes, em primeiro lugar meu pai. Bacana, sacana, potente. Engravidou, deixou a semente, se sumiu pra nunca mais.

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segunda-feira, abril 10

Por quem, Madonna, a gilete de Marilyn?

Por quem as cortinas se abrem, por trás delas se bufa, se tropeça o português?
Por quem os peões se movem, borboletas batem asinhas, faz estalar a madeira e os cínicos se dobram a beijar?
Por quem os cínicos florescem? Quem traz riscos, cheiro, o vestido malicioso, os miseráveis em procissão?
Por quem ofertas, pagão, a tua missa? Por quem se nada às braçadas, se vai às gargalhadas, se drogam, sem embaraçam nos lençóis?
Por quem o trompetista? Em quem os turfistas apostam, esse silêncio súbito, essas mãos que suam, o lúmpen social?
Quem morreu de amores, por quem o anão cochila? O cuspe, o soco, quem inventou o penico, afinal?
Quem inventou a dobra do dinheiro? A doméstica, a polícia, a expressão canalha, marginal!!?
Por quem se agacham os poderosos? Quem é gentil, fingida, ingênua, quem dormiu com o Almirante e o Papa Pio?
Por quem se bicam, bebem tônica, a Lan trepida, o doce ruborizar?
De quem falam, levantam infâmias, o chiiii improvisado de um jazz?
Por quem vibra a arquibancada?
Por que a Playboy no banheiro, por quem a hóstia, o cálice, as vezes do Bis? E a safadeza? De quem é? Por que sais? Por quem Bogart no balcão?
Por quem o facho de luz, as aspones de Lázaro, o ato da crucificação? Por quem se fazem os homens cachorros?? Por que o jogo enrola, o carnaval não decola, o teu-pezinho-junto-ao-meu? Por quem a partida, a emoção pura, o smoking alinhado, o poema do feijão?
Por quem se excita, se afunda o Parlamento, soa lá o BigBen?
Por quem a mão no joelho de uma amiga com segundas intenções? Por quem, Madonna!, as curvas das axilas, a gilete de Marilyn?
Por quem se erguem os braços, por que ta tão empestado o ar desse show? Por que o esperma, cidadão?
Por quem?
Pra quê?
Por quê?
Por que somos tão baixos, machos, esse gosto artificial??

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domingo, abril 9

N. Sra. de Fátima e Santa Esmeralda

Bandeirinhas de plásticos, crescemos agitando essas até a adolescência. Depois, crises e namoros concorriam com a nossa “alienação’. Nos faziam alienados, era de se contar nos dedos consciência política. No colégio, Moral e Cívica, enquanto a América era estrategicamente minada por golpes de milicos subservientes. E comprávamos de tudo. Camisetas com as cores dos EUA se chegou a trajar.
Para cada sussurro de Elis, inundação de luzes e globos. Alto-som! Nossos Grêmios Estudantis “promoviam” o esporte, boatezinhas, excursões. Era amar ou deixar. Já mesmo em Geisel, uma tentativa que fizemos de levar um texto de Millôr pelos alto-falantes foi “desplugada” por não haver condições.
Censura ainda, mas já não éramos inocentes.
E aí que entra o “Fátima”. Ávidos pela vida em período de “alienados”, nos refugiamos naquele clube fundado por um frei comunista, justamente no ano do golpe. Ali, no Fátima, gastamos as nossas energias, dançando sob o olhar do capuchinho barbudo pregado na parede.
Do Fátima ao futebol, um ciclo foi cumprido.pela nossa geração em Bom Jesus. No “segundinho” do Santa Cruz, ponta-direita, jogava o Eduíno. E o Eduíno Freitas era também o DJ do Fátima e daí a liberdade pra se pedir. “Toca mais uma lenta, Eduíno!”.
É que era muito aquela do Santa Esmeralda, Don’t Let me Be Misunderstood...
E se dizia: uma lenta, Eduíno!
E ele tocava aquela: “Tu”. Do Júlio César. E tocava cinco, 178 vezes. E os namoros começavam e a luz era negra para se dançar naqueles domingos, final de tarde.
Sem saber, o Eduíno e o Fátima nos fizeram felizes num período do qual não trouxemos nem culpa ou remorsos.
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sábado, abril 8

Espólio do ócio

Ergueu Cervantes, Ulisses, Gregório de Matos
Correu casmurro, caiu com Gregor, William Faulkner
e o salto do olho à distância
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sexta-feira, abril 7

Desdém a Deus

Nosso Senhor, Deus!
O que sei do amor?
O que sei da bondade?
Indago do carinho e esperança que nunca em ti reconheci.

Não se pergunta ao amor.
Não se pergunta da bondade, eu sei.
Acredito em ti porque duvido.
Senhor, eu não sou crédulo em tuas coisas.
Teus pressupostos eu pergunto quais?

Eu quero nome aos bois, Senhor, na minha incredulidade.

Não me ames tanto, por isso, basta!
Eu quero poder dizer-te, não!
Eu quero poder esgarçar o meu sorriso de desdém
Deixa eu praguejar o que de ti aceito,
deixa, Senhor,
tu que não me ensinastes o espasmo de um abraço, de um carinho bom!!

Já não rezo, brigo, e te oferto.
Eu trago à tua cabeceira esta grave presença que me faz rezar assim e te anunciar:
Mãos ao alto, Deus!!!
E a minha generosidade é então arrancada dos braços teus.
pr

quinta-feira, abril 6

Músico de mulher

O Beno tinha os lábios cortados, leporino, fazia anos esperava a escritura. Precisava escritura de músico e a escritura demorava não vinha. E só veio pronta de um latão de abacaxi. A papelada voou, e era um presente dado, o freguês se ria.
A escritura a abacaxi desemperrada e apenas com sete cadeiras, de chapéu, capa impermeável, o primeiro baile o Beno tocou.
Um astro, galã, sobressaía o chapéu de feltro.
E o Beno se arrodeava fazendo o chapéu arrodear junto. A pena do pavãozinho era amarela e ventava. E o Beno vá e vá num pandeiro.
Era pandeirista, tinha as mãos bem ossudas e gritavam, “olhe os outro dedo do Beno”, quando ele não usava sapatos.
Tocava de pés descalços mesmo e tinha uma múltipla capacidade de acompanhar com domínio o pandeiro.
Famílias se deslocavam só pra baile com o Beno esse.
Pandeirista, moreno, olhão preto, garantia com olharzinho uns quantos bilhões de moças.
Gostavam dele.
Era um mimo, os labiozinhos partidos, era bom de beijar o rachadinho dele.
Diziam da cavinha que bifurcava o bigode e aí que vinha o maior charme do Beno.
Seus olhos negros no ritmo, chegava Setembro rapaziada e prendas já se lembravam.
Era a temporada de tradição e baile e que trouxessem o Beno Rachadinho e os irmãos amigos dele.
Os convites vinham de moças e ai se não aceitassem!
E porque já eram uns astros, aceitavam.
Aceitavam, o Beno não se rogava e comparecia batendo por baixo. Socando na parte inversa do pandeirinho, de impermeável, pés descalços, nunca se viu humano ritmo igual.
E sabe por quê?
Primeiro, porque não cantava.
E porque os dedos do Beno moreno eram assim como os olhos.
Como os olhos dele, negros!
Bolitas, graúdos, os dedos ossudos do Beno...
e os seus olhos fechados agradando em sete mesas que houvesse...
Tocava assim.
Vá e vá, solo, concentrado, em harmonia com as gaitas, na inversão de quase tudo.
Só farfalhando uns papéis no couro, o Beno caprichava, fazia uns floreios, floreios apropriados, era a homenagem do pé rapado para todas as moças.
Lábio aberto. Chapéu de pena. O louco fazia dos dedos parte do seu instrumento.
Só marcando, pé descalço, sapateando serragem fria.
Êeee, beleza!
Marcha, rancho, polca, valsa, não tinha colorido de dança que não tirasse.
Só no pandeirinho, chiquechique, amor, saudade, harmonia, o que havia de bom na vida ficava floreado nos dedos.
E os dedos do Beno bem ossudos.
E o Beno, chapéu preto, dedos e mais dedos, era identificação imediata: tava ali um crioulo bonito. Moreno de olhos graúdos e escondendo esses olhos fechados.
Ah, dava mesmo todo o carinho que a mulher interiorana carecia, precisava.
Era um astro, era um ídolo, as morenas diziam que foi o lábio aberto o inventor do amor.
Peraí, não chegassem a tanto!! Mas fossem dizer pra elas...
Com a música e pandeiro dele rodavam os sentidos.
E rodavam vestido, ah, farfalho!!, até o dia do homem explodir.
Explodiu, ficou assim, maior alegria e felicidade caído aos pés de uma...
Hum-hum... sofreu do coração o Beno justo num baile.
E não tocou o pandeiro ainda!?!
Deitado!
Deitado, enfartado e tocando.
E morreu assim tocando numa orla de saia.
pr

terça-feira, abril 4

A carícia da vida

A carícia da fome mata. É a carícia que faz a sonda ao entrar no nariz.
A carícia do gelo, adormece. É a carícia que faz a pedra ao roçar nossos rins.
A carícia do condenado é a forca. A carícia da insônia é a cólica, a carícia infantil.
A carícia do jogo é a falência. A carícia do bêbado é o gole. A carícia do Rotary, ajuda, carícia do sal alivia os pés.
A carícia dos mimos, enamora. A carícia dos sinos, consola, é a carícia de Jesus.
A carícia dos separados. A carícia dos mal-amados. A carícia de toda a vaidade acaba no hospital.
A carícia que a todos iguala é sopa. A carícia de vidro é carícia que quebra e a carícia que sempre choca é a notícia do jornal.
A carícia do hippie, a beleza. A carícia da lã, um novelo, a carícia no tornozelo é um lance de Gre-nal.
A explosiva carícia na hora do perdão.
A carícia da viúva zelosa, a carícia que no júri advoga, a comemorativa carícia que transmite paz!
A carícia das águas. A carícia da língua molhada. A carícia do desesperado que não sabe nadar.
A carícia da foice. A carícia fria. A carícia que assusta é a carícia de ódio que o ciúme traz.
A carícia da cantora enternece, fia. A carícia no Atlas, gira. A carícia que se diz perdida é a mesma que volta três dias depois.
Carícia não se perde. Carícia é o que se arrepia como pêlo de mãe.

segunda-feira, abril 3

Marcenaria do Bonja

— Alô. É da marcenaria?
— Quer jogar que acertou, minha senhora?
— Como assim?
— Quer jogar que é da marcenaria?
— Ãh... Não, eu não quero jogar. Eu só quero um armário.
— Pra mulher ou pra homem?
— Não entendi...
— Pra mulher ou pra homem o armário que a senhora quer?
— Ora, armário é armário. Serve pra homem, pra mulher, até pro padre...
— Quer jogar que não serve?
— Não serve?
— Não serve. Quer jogar?
— Não, não quero jogar. Eu quero apenas um armário. Seja pra homem, mulher, a rainha da Inglaterra. Eu quero um ar-má-rio!
— E pode pagar?
— Como assim? Claro que posso. Estaria ligando se não pudesse?
— Quer jogar como não pode?
— Meu senhor... Como é mesmo o seu nome?
— Beleco.
— Olha Seu Beleco, o senhor me diz o orçamento...
— Quer jogar que não dá?
— Ora, quer jogar, quer jogar! Quer jogar que o senhor é louco?
— Essa eu não jogo.
Barulho na porta. Entra o sócio:
— Alguém ligou, quem era?
— Uma doída que queria uma armário e não sabia pra quem. Tava indecisa, coitadinha.
— Essa é boa. E você deu o orçamento?
— Eu não. Como ela não sabia pra quem era o armário, eu também não sabia que preço cobrar.
— É isso aí. A gente nunca deve ser superior aos clientes.
pr