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segunda-feira, fevereiro 27

Mercado Nervoso

Compre-me porque eu era a Rosa, a Rosa da Dalva, da Dalva não sei de quê.

Compre-me porque eu faço que durmo, que não conheço, não passo de curiosidade pra você.
Compre-me, toque em mim, compre-me como se compra um artista, jogador de futebol.
Compre-me de coração, miúdos e tripas, me leve tudo inteira se dinheiro tiver.
Vamos, compre-me, me dê saúde nova, e eu vou ter UNIMED se comprada por você.
Compre-me, diga, “tenho filha diferente”; compre e me exiba como um troféu.
Compre-me, não fique com pena de mim!

Compre-me antes do teu derrame. Invente pra mim Sapatinha, me ensine a brincar.

Compre-me, é uma boa causa, é coisa moderna, sou canhota, peça publicitária, sou tevê, um esmalte, faça a papelada de mim.

Compre-me pra se acalmar. Compre-me, deixe o remorso, compre-me, leve-me, sou às centenas, aos milhares, aos bilhões.

Compre-me. Orgulhe-se, seja um bom maçom.

Compre-me e suborne uma alfândega do Brasil.

Compre-me, eu posso ir pra Suíça, sou baixo preço, o valor nem sei.

Compre-me porque um gordão do mercado já me comprou!

Trecho de texto que escrevi para a coletânea Contos Cruéis. O livro, organizado por Rinaldo Fernandes, será lançado pela Geração Editorial, na Bienal de São Paulo
Veja lista dos autores do livro
Leia entrevista com Rinaldo de Fernandes

sábado, fevereiro 25

Grito de carnaval e adjacências

O Artur puxou o trenzinho do carnaval. O Batata levou um empurrão por querer do Cabo Miche. O Antero do Violino no Baile do Doca tocava violão. Tinha um pôster de lata de Pepsi-Cola antinga na entradinha do banheiro onda a Vani ficou encostada. A cachorrada acoou quando a Brenda foi em casa calçar um sapato. Um dos da Hidráulica ganhou a rifa. O Zoinho começou a ajudar o Doca por causa do movimento. O Vercidino queria só uma Soda Tônica. O Didão na bateria. A Sargenta escutando umas conversas do Preá junto com a música. A Salete achava que o Jasmim não ia aparecer mais. Nem que doesse a unha a Brenda tinha vindo em casa só pra parar de sentir desaforo. A Negrinha foi escolhida a Rainha... As marchinhas do Vercidino. O Seu Milito com a perna encruzada na outra. O delegado Gentil veio sentar na mesa dele. O Cabo Miche ainda vermelho na mesa do Saú comendo com eles a galinha comprada com o dinheiro deles mesmo sem ganhar em rifa. Agora era uma parte da lista com as marchinhas de autoria do Vercidino que ele tinha feito. A Rainha comendo a sambiqueira. O Seu Galone chegou com o Pantilha no baile. Os Suzin na delegacia: tinha o Jasmim sendo atendido na frente deles. Ficou o caroço nas costas do Jasmim na frente dos Suzin. A marchinha do trem. O Didão na bateria. Uma aglomeração pros lados da Copa. O Artur tava tendo um epilético.
Trecho de Vitrola dos Ausentes, ps. 43-44

sexta-feira, fevereiro 24

Em honra do amor... no carnaval

Você não quer me contrariar
mas eu faço companhia
Você quer saber se é isso mesmo
e eu acho isso mesmo
Você quer saber se vou na boa
e eu vou na boa, sem problema
Você quer pedir mais uma coisa
e eu digo, é assim que se deve, peça logo
Como você quer
Não sambar miúdo
mandar ver no pé
Que eu concordo e caio nesta:
serpentina, língua, assopro,
um alalalô nas tuas costas
E você insiste se eu gosto disso mesmo:
seu dorso, a perna,
o corpo e o medo estando em público?
E eu digo SIM
e você acredita
em tudo se acredita até a quarta

pr

quarta-feira, fevereiro 22

Lua


Lua levada, virada, tampa de panela
Fio e foice, Lua com haste!
Lua míngua, renova, cresce, enche:
a Lua é a ternura de mãe grávida
com o seu ventre suspenso
pr

terça-feira, fevereiro 21

As mortes e a morte de um Horácio magro

O Horácio chegou bem mais gordo
já defunto, o Horácio, coitado!
Acharam o Horácio dormindo
o Horácio de um jeito deitado
Responda, Horácio, responda!
mas Horácio não mais respondia

E o Horácio ali bem exposto
mostrando seu corpo há 6 horas
Responda, Horácio, responda
e o Horácio, defunto, sorria,
Que o pobre depois de morto
esticava as canelas pra fora

O Horácio na meia-mesa
era o que o Horácio tinha
Na galhofa do seu velório
o Horácio, mais gordo, sorria

pr

Exposição de motivos

conto
traço
moldo
o que de ti bordo,
mão,
mostro!

pr

segunda-feira, fevereiro 20

O balé da carne viva

Chuta,
mulher triste, chuta
a ruidosa ausência
Chuta,
viúva,
que o teu corpo é cúmplice
Chuta,
gesto de arame,
carne viva
pr

Crianças especiais

Crianças especiais,
aprendo com elas assim:
eficientes, são amigas,
que forma que amam!,
carinho bom...

Crianças especiais,
eu cresço com elas assim:
travessas, sapecas,
que forma que abraçam!,
nos tiram do chão
pr

domingo, fevereiro 19

A transposição da pele

A pele do pêlo
é uma pele pra fora
pele que se abre
pele,
pele no apalpar

a pele que sai de açúcar
é fêmea,
pele a rosar
a pele que muda a pele
é a pele do tesão
pr

sábado, fevereiro 18

Minha mãe arregaçava as mangas

minha mãe arregaçava as mangas
e lavava os pratos
minha mãe arregaçava as mangas
e fazia pão de milho
minha mãe arregaçava as mangas
e sofria dos nervos
minha mãe arregaçava as mangas
e carregava lavagem
minha mãe arregaçava as mangas
e dava banho de sol nos braços

esta era a sua praia:
lavar os pratos do hotel
me fazer com caminhoneiro
pr

sexta-feira, fevereiro 17

Com a maciez de uma asa negra

A mulher que seguia na rua era como um cisne,
ave, garça,
trazia nos cabelos a maciez de uma asa negra

Esta mulher com bolsa e pacote,
furtiva,
esperava depois angustiada

E entrou no seu ônibus.
Finalmente só doceira,
finalmente boa vizinha.

Não nascera para olhares
pr

quinta-feira, fevereiro 16

Um pender debruçado

Quem foi o inventor desse ser, dorso partido, sentado, distante, que não nos atende?
Nem aí, insípido, inodoro, quem foi o inventor desse debruçar sonolento que tanto nos atrai na mulher?
O amor abandonado? Não se culpam. Debruçam, tão-só.
Sim, porque uns quantos bilhões de mulheres do mundo neste momento estão com a face esquerda calculadamente apoiada ao pulso. Meticulosamente caídas, meticulosamente debruçadas por piedade, por piedade de nós, homens seus!
pr

quarta-feira, fevereiro 15

Broca

O homem, trêmulo de pedra, desossa o asfalto. O homem sacode, treme, broca e destrói a rua no prazo.
Ele esbrugalha, pisa e carnavaliza ainda a rua velha em sua morte. Esta laje onde pneus tiniram é só agora uma forma de amor deste homem hábil.
Ama o que faz. Surdos são os seus passos em torno da pedra construída. A pedra que é pedra agora arrependida e o homem a toma, a broca e a maquina.
Estúpido é o homem que faz a pedra e a desfaz e desfaz.
Pra quê?

A máquina e o homem ainda rugem e a pedra despedra-se.
O som da rua que o homem corta ali é como o som de um aborto.

terça-feira, fevereiro 14

Covinha

A covinha bifurcava
e a conversa se arrastava, se arrastava, se arrastava...

E eu sabia bem aproveitar o charme de sua ausência

pr

Noite suave

Pegou-se a apalpar
gentil,
agradável
ponderada

Não sabia se acidentar
Não sabia ser imprudente

pr

segunda-feira, fevereiro 13

Mulher na cama azul

Absorvida e triste
encosta-se na ausência
absolvida e triste
por um amor distante

mas que o seu pescoço,
tenha dó,
não envelheça!

pr

domingo, fevereiro 12

O toque

O toque na roupa
O toque no leito
no verde da tarde

O toque de susto,
no rosto julgado morto,
o toque no seio como o queimar de um raio

O toque na penugem,
trevo úmido,
um toque de intimidade da mulher em si
pr

sábado, fevereiro 11

A sesta

A sesta é o que se faz,
mas engana
É o descanso da preguiça
circo, equilíbrio de xícaras,
é a cozinha da mãe Joana

É um pedaço da noite no dia
mentira de quatro patas,
a sesta é uma fábula

pr

A audácia despela batatas

Carnes vergadas
Inclinadas sobre o amor

Dá um medão!
pr

sexta-feira, fevereiro 10

Manuscrito

O pátio

Pega o sol
e bate o tapete
Pega o sol
e varre o pátio

Em tão laboriosa tarefa
escabela
forceja
umedece entre as pernas

Inclina-se
no varrido
ajeita-se depois no tapete
Estira a alcinha na pelve
pra discreta recompensa:
possuir...
como sabe a mulher que pega o sol distraída,
sem trabalho

pr

quinta-feira, fevereiro 9

O salto

O salto no vácuo
O salto esvoaça
O salto pisa, rebate
O salto respira

O salto canta, chama
O salto bolera...
O salto repousa quando queima
O salto apaixona, o salto faz sexo, metralha, levanta o vestido

O salto pra! O salto pára.

O salto no tablado
O salto na altura
O salto de cabeça
é um salto suposto

Traído pelo salto

Na confusão dos saltos:
guia, leme, descaso
O salto praprapra na lata
e o coração...

Inspirado no Tablado Andaluz dançando o Bolero de Ravel com a Orquestra de Sopros de Caxias do Sul

quarta-feira, fevereiro 8

Uma prova de amor

Ela não conhecia o sabor do mar. Ela não conhecia o sabor de nada, porque nasceu sem distinguir entre o açúcar e o sal.
Ela comia galinha, porque sabia que era justamente galinha, e era galinha e só.
Não tinha olfato.
Então, um dia, conheceu o seu homem. Um amor porrada, desses grandes, imensurável, amor regado a lágrimas e beijos bons.
Mas nem dessa lágrima soube o sal. Nem desses beijos sorveu o doce. Ela padecia ao sem-sabor desse bem que a vida lhe deu!
Um dia, foram ao mar. Juntos, pela primeira vez, foram ao mar. E essa mulher, essa mulher tão apaixonada pediu ao seu homem que lhe ajudasse a provar do mar. Queria saber o seu sabor...
Houve um espanto nele. Sentiu-se impotente, ignorante, um traste, um cara sonso, sem sal.
Não sabia como ajudá-la!!
Assim, enjoado, convidou-a ao mar. E brincaram, afundaram e sentiram o balanço e aquele medão que só no mar se tem.
Súbito, de uma onda (onda que a tragara antes), ela ressurgiu. E renasceu dessa onda então linda: parecia uma outra mulher. Era garça, fêmea, uma mulher parecendo muito mais madura aos seus 36!!!
Tão bela imagem!
Os cabelos em cachos. Os cabelos em cachos atirados às costas e uma curva descendo. Uma curva descendo pela espinha daquele corpo nu...
A espinha fazia de fato contornos até abaixo... digamos... até a sua nádega.
E esta mulher chacoalhava ainda os cabelos quando trouxe os dedos à boca. E bebeu o mar.
Esta mulher que trazia os dedos à boca bebia então o mar... E disse seu gosto, sim...
Ela disse: o mar tem o gosto que eu provo. E o mar tem um gosto de amor!
pr

terça-feira, fevereiro 7

Um bicho desestimado

Queria com o aço temperar o mundo
Queria o tracejo forte, o gesto profundo,
queria a pressa desse sentimento que alarga o mundo

Queria a carne nessas cordas,
queria agravar um coração!

E num súbito enfia e tira,
a raivosa palma entreaberta,
num rasgar à superfície!,
os dedos voltavam sangue

... o seu corpo era tocado por um nervoso amor perdido

E a guitarra aquecia
a guitarra junto à sombra do peito
a guitarra como um bicho desestimado ... ainda... ainda...

Era nisso a mão: no aço!...
e o corpo uno


pr, 06 fev 2006

segunda-feira, fevereiro 6

O corpo de Deus

O corpo,
balsa arrogante,
vértebras e ventre,
armadura de Deus

O corpo,
humano,
enfunado,
o corpo é uma balsa triste emproada
pr

domingo, fevereiro 5

Mais uma vez adiamos

Mais uma vez adiamos e adiamos os nossos medos, remorsos, a decisão tão humana que tivemos de nos ver. Um ao outro, adiamos nossa ida até nós. Por que adiamos a saliva? Por que as gastas horas de fantasia não se tornaram reais?
Eu me vejo injusto agora ao que desejei e não fiz!
Adiamos. Mas foi justa a causa, me explicas, e eu compreendo. Compreendo mais uma vez por que não fui. Compreendo a estratégia do nosso Plano B.
E deixo então a mala ao canto. Adiadas calças, camisas, despesas que fiz. Adiados fiquem meus três pares de meias sem utilidade para a projetada nudez. Adiado fique o nosso nu primeiro!
Eu e você nos adiamos mais uma vez. Livramo-nos do encontro, livramo-nos de nossos pés, mãos, gatos enovelados como se projetou o dormir.
E restam as golas, camisas empilhadas da viagem que não fiz. Vinho suave que não se derramou... corpo que não se sorveu.... Houve por nós uma planejada desistência e não compreendo agora o punho que fechei.
Ele dizia CORAGEM!
E o punho que me devolveste dizia EU VOU!

sábado, fevereiro 4

Uma despedida

O amor, o meu amor, despediu-se e saiu. Triste, já amorzinho, pobrezinho, ele se foi. Saiu pé por pé, travessura, quem sabe?, uma outra felicidade o meu amor ia tentar.
Ia cuidar de si o meu amor. A minha amada ia partir pra outra, eu que ficasse atontado ali.
E eu corri ainda ao portão e disse: Não esqueceste, amada, o que levar?
Não, me disse. O teu bom coração eu levo no filho que começo a gerar!
pr

sexta-feira, fevereiro 3

O tigre

Como uma paixão à espreita
o tigre faz valer o seu dote:
riscas traiçoeiras macias
enrustido em ouro bravo
pr

O menino

Ouvia gemidos na cama
sussurros de prazer
chorava em quatro patas,
o menino,
como um bicho
pr

quinta-feira, fevereiro 2

A paisagem da música


A paisagem da música
é de notável discrição:
espanca coração de moça
enluta a flor no passar
A paisagem da música
é de notável discrição:
triste em descalça alegria,
é um beijo na chuva de pé

Desalinhado

As linhas dos teus olhos confundem
as entrelinhas que teu seio tem:
azulinho de tão meigo decote
nele o toque de um outro sem mão

Perturbado em perversa cegueira
venta a gangorra do ciúme em mim
E tu, descaso ao verso, ao meu desalinho,
tiras linha do nariz

Microconto

Vinco de divina carne
no baixo jeans:

visão que almoço

quarta-feira, fevereiro 1

Um amor pra não findar

Parece mesmo que Deus ia fazer daquela noite a maior noite do mundo. A maior dos séculos, a maior noite que já se viu. A noite seria mais que um manto, seria o próprio céu de avesso.
E, para enfrentar a escuridão, as trevas, o escuro, tudo que se avizinhava novo e não era bom — uma legião de saudade, lágrima, pesadelo, quadro sem tinta, o olho grande do boi — Deus pensou assim:
As pássaras e as fêmeas. Deixarei com as pássaras pálidas e as mulheres tristes o aconchego de todo o amor que de tão bom o mundo souber gerar.
As mulheres e as pássaras gostaram daquela súbita inspiração de Deus. E convocaram as outras fêmeas, as patas, as cabras, as cobras até.
E as pássaras de todas as asas, as mulheres brancas, negras, azuis, as mulheres vermelhas, rubras, combinaram o seguinte: que o amor gerado de cada um daqueles ventres seria como a noite de Deus. Um amor pra nunca mais findar!
pr