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terça-feira, janeiro 31

A verdadeira estampa do Rodeio de Vacaria

segunda-feira, janeiro 30

Promessa

Hoje vem um homem aqui em casa
Fique quieto que amanhã
te dou caçambinha,
te dou as botas de borracha,
te deixo até fumar
Eu te dou dinheiro!
Mas o homem ficou com ela só no amor
pr


O treino

O homem olha o horizonte
aprende com ele
O homem olha o horizonte
não há ninguém, não há nada
Inspira o homem, aspira o homem
o horizonte treina o homem para ser mais homem
Estão ali os dois: o homem e o seu destino
E o homem treina
pr

domingo, janeiro 29

A visita da doméstica com a cria

A Rosa com uma mão batia nas costinhas e com a outra segurava um caneco. Parecia até um malabarismo ela contando: era uma bundinha da criança que vinha bem equilibrada na coxa da doméstica e, se o Seu Fayet ficava concordando, é porque já vinha judiaria.
Isso mesmo! Ele tomava gemada e dizia que a mulher grávida por causa da placenta depois que ganha devia se resguardar. O Seu Fayet falava às meias em conversa de mulher e a cozinha dos Fayet era bem limpa. E além de ser bem limpa tinha umas facas de cabo-de-inox. E tinha uma tábua e até um requeijão com guardanapinhos. Era tudo muito higiênico e a Avany depois dizia que, nem ela, nem o pai, precisavam ter ficado ouvindo Rosa segurando um caneco.
Excerto da novela inédita

Hai-Kai



Duas forças juntas
de rabo preso:
AsaSa

sábado, janeiro 28

Estudo para um inclinar de cabelos

Entre outras,
na toalha que estendo,
até nisso o amor roça,
na forma de graça que vais fazer:
a tua face em turbante ajeitado,
a cabeça negra com seus cachos de seda
que cruza, evapora
até tuas pernas no arrepiar!

Eu sinto ciúme de tua toalha

E, eu digo, faça!, o teu cabelo se desprender
Dança com ele,
teima com teus cabelos
faz as bobagens que não fiz.

E ela, porque é bonita,
tomba, tomba mesmo a cabeça e fica de canto a canto neste brincar
pr

sexta-feira, janeiro 27

A prece de um incrédulo


Não te entendo ainda, Pai!
Vim dizer, Cristo, que não te entendo,
não entendo a carne sofrida,
a minha incompreensão é quase infantil.
Descrente, não entendo o que vem de vosso reino,
de Cristo não sei:
Ele é em mim desconhecido,
eu raciocino, não pode ser!
Mão pregada de amor, o que faço com ela???
Mão pregada de amor,
eu a beijo sem compreender!
Cristo, eu não assimilo o que é dor em ti!
Eu gosto de ti, Cristo, mas ainda assim... Quero o teu perdão!
Perdoa o meu não saber, porque eu te ignoro gostando.
Cristo, a minha incompreensão é uma forma de amor.
Tão humano que sou, o Cristo ainda acredita em mim???
Aceita o que é a minha incrédula prece?
Como eu achei de te rezar???
pr

Um dia eu teria o meu chuveiro

Chegava no Seu José Lenheiro um pouquinho pras seis da manhã. O rádio tocava Uma Voz em Família. Geava em Bom Jesus. Dona Leni expunha biscoitos sobre a mesa e ainda despenteada falava de carestia. Uma cortina de matéria plástica era a porta do banheiro. Seu José e Dona Leni ouviam o barulho da água ensaboada e se irritavam na cozinha. Dona Leni falava que a comida até lhe fazia mal. Eu fazia que não ouvia.
Depois, corria duas quadras pra botar a roupa limpa lá em casa.

quinta-feira, janeiro 26

Tango para o dorso da amada

No meu zelo, na insônia dos passos, tua perna é então elevada ao mamilo maior.
Ela se chama Amada e é o meu desmedir. É o meu chima, e é esse baile de um só. É a carícia que esquenta, esgrima, é um sonho alinhado que me ensino a dançar.
Botão de rosa. Imprevisto pescoço cheirado. É a base de tua nuca, mulher!
E o bonito desse mimo na sala é que danço e danço, e esse tango é sem fim.
Carícia distante, ausência, falta, é disso que falo. Desse danado drama de cada instante querer se amanhecer.
Fique, por isso, cada instante do meu tango numa noite eterna e grande: para que a minha amada exista e nada mais!

A Correntinha

Tenho teus guardanapos em minhas mãos, os paninhos da tua higiene naquele antigo bacião. E eu espiava por entre tábuas esburacadas quando te agachavas com as duas mãos. Agachavas tua cabeça para a doença venérea e eu via a correntinha com o teu nome preso ao pescoço. Agachavas tua cabeça para a verificação da febre e eu via teu nome a me dizer: Vai passar! Dorme agora meu açudinho!

quarta-feira, janeiro 25

Mar


O que quer dizer este "meu" mar assim?
Clique na crônica da semana ao lado e saberás...

Marfisa, Gerítzia e Etelvina


Das mais devotas, nossa irmã tapava os cabelos, chegava na missa com odor de hortelã. Trazia o seu véu muito fino, nossa irmã era higiênica em qualquer situação: da sala ao topete... Ah,a mudança era severa! A Marfisa sofria de impigens e desoporava as impigens limpando bem o pus. E limpando o pus conversava com elas, pouco sorria, começava como costume a falação: criteriosa, perguntando por longe, onde é que andaram as duas?, era bem nessa má aparência a relação das minhas irmãs.
Andava a onda espírita e, por trás da caridade, era um dó de cinismo, a Marfisa baixava o seu véu. Enfrentava a Gerítzia. E Etelvina também, vá!, era levada por ela. A nossa irmã era assim: muito severa com as duas mais simples, e sempre relacionando o que houvesse de bens; se pudesse deserdava, deixava as duas solteiras sem qualquer garantia.
Trecho de Missa para Kardec, ps. 46,47

terça-feira, janeiro 24

O Circo do Peruquinha


Os meninos pelados faziam o circo do Palhaço Peruquinha nos fundos do lote do Belé Fonseca onde foi armado de brincadeirinha um lonão emprestado pelo Tio Rubi. Uma vez, o Artur inventou de ter um epilético no circo. A filha do Alano era a trapezista e também, o cirquinho de brincadeira quando precisava, ela era a mulher bonita. O Cilício é que fazia piquenique embaixo do velho carvalho perto da igrejinha e levava todo mundo. Guri não brincava com menina... Eram bastante os filhos das putas e eles brincavam pelados quando o Seu Ataliba passava a esponja branca nas partes de trás das éguas.
Trecho de Vitrola dos Ausentes, p.67.

Máquina

A minha máquina na rede A minha máquina na malha A minha ex-máquina do jornal A minha máquina no corpo A minha máquina da farra A máquina do meu pão
A minha máquina de grife A minha máquina na ânsia Como um rifle que falhou
A minha máquina não me deu carro A máquina do meu sarro A minha máquina se Fú!!!

As minhas três irmãs

Eu tenho três irmãs, duas vivas, uma morta. Embora as traga comigo, nunca estivemos juntos. Uma, hoje, em Porto, sem contato; outra, em Caxias, Feliz isso, Feliz aquilo!, por telefone e só ... Maria de Lourdes (a do meio) morreu presa numa rede de pescadores, na Praia do Pinhal, quando eu ainda era criança. Eu sou o caçula dessa família que jamais existiu.
Eu tenho certeza que nos amamos e quero dar um talho agora em nossa história para um peão negro nos confins de Caçapava do Sul...
Trecho da crônica de amanhã

segunda-feira, janeiro 23

Acalanto para mulher deitada


Dali, desse exato ponto,
nasceu a vontade naquele vento bom
E o desejo cresceu
E nesta ânsia forte
que parecia do mar para o céu,
pedia então aos dois,
ao mar e ao céu,
me dêem o homem
que com sua língua sensível e de fogo
traga para mim o amor
capaz de aplacar esse desejo que senti
quando o primeiro vento soprou

O céu e o mar então combinaram
e estava ali para ela o seu homem
E ela, súbito,
sentiu que o vento dera uma pausa
porque o próprio vento era o homem pedido

O céu e o mar cumpriram com ela o acordo
E o vento, então, macio,
mas, ao mesmo tempo forte,
definido com sua língua em fogo,
disse ao seu mais recente amor:
Deita comigo!
O vento disse: deita comigo,
e só!

E deitaram
E amaram-se
Amaram-se até a tempestade chegar e dizer:
Gozaram vocês??
Não vou por isso desta vez chover

E a tempestade se fez uma brisa calma
E repartiu-se em dias
De novo céu e mar
De novo céu e mar
De novo céu e mar
Paulo Ribeiro

Sonho

E a gente agora indo dormir
vai acordar desse sonho
e vai, no sonho novo,
sonhar com o sonho
que estamos vivendo
e o sonho de nosso sono
ficará com ciúme do nosso sonho de amor
e vai nos acordar e dizer:
como assim não sonham mais comigo
que sou o sonho do sono
e sonham com o sonho acordado?
Levantem-se,
ponham para fora daqui!

Quem sonha acordado
não tem direito a dormir
para não acordar do sonho
do dia
do amor
Paulo Ribeiro

Um aniversário


Aniversariam os móveis
Aniversariam as louças
Os peixes, se aquário tivesse

Aniversaria a planta,
colibri e folhagens
a colher na boca do filho

Aniversaria o filme, um prato
o campari,
até Jesus por ali predileto

Também aniversaria uma ausência,
presente em seu traje uruguaio

Aniversaria a vida,
as indecisões, a fortuna da boa alma

Mas importa mesmo
que ela aniversaria na sala com os cabelos molhados
pr

domingo, janeiro 22

À flor da carne

a flor no rosto a flor da idade a flor da raiva a graça da flor A flor da garra a Flor de Jesus A flor na névoa a flor na trave à flor da carne o clic na flor

Mulher com trompa


Todo domingo era marcadinho. Às oito da noite estavam todos em algum lugar. Pegavam um caminhão, carregavam os trombones, cornes, tubas, três bombardinos, um par de pratos, tarola mais dois bombos, e, quando estava querendo escurecer, já estavam todos dançando o que eles tocavam. A Banda da Blandina se vestia com uniforme de listas verde e vermelha; sob regência dessa viúva do Castório, lá tocavam eles, com a Guiomar Boquinha bem na frente, com a trompa, cercada de dois gêmeos tubeiros.

Trecho de Mulher com Trompa, de Valsa dos Aparados, com ilustração do autor

sábado, janeiro 21

A pequena Rosa


A minha amada
Parece que dobra
As mangas de sua camisa
Para umedecer as mãos

E nessa delícia em que
se enxágua
arde
a mulher querida inflama
também desse amor

Amor novo
cedo,
decente
Amor entrando em Touro
em casa
na cama do sexo
na chama do tesão

E desse amor,
Então,
pudesse,
vir uma filha
e se chamasse Rosa também

Paulo Ribeiro

sexta-feira, janeiro 20

Torrar café


Na casa da Mariinha era um cheirinho de café de longe e o modo de preparo era ser amorosa como ela adorava fazer. Com muito amor, num assoprar bem doce e de ir aos poucos escaldando o coador.
O cheiro do café torrado! O cheiro do café torrado!, gritava e o mundo inteiro atendia ao mimo.
E, como mãe não vê defeito, rotariana, jubilada, a Mariinha mantinha a aparência deles ainda sem derrames: a D. Mariinha Fayet era uma verdadeira mãe pra filha agitada e que a Avany era de avançar de avental.
... Mas, porque vaidade pra ela não prestava, quando se via apertada, a Mariinha inventava de agir assim: de dizer pra alguém que ela ia torrar café e ia torrar café e saía dali.

Excerto de novela inédita do autor

Figuras do Bonja

A gente acaba nem sabendo o nome de pessoas que cruzaram nossas vidas. Neste caso, literalmente, cruzamos por ele: o Zoinho era o porteiro do cinema de Bom Jesus. Era o pegador de ingressos do pai, o Alberto Boschi, graças a quem assistimos aos spaghettis Django, Giuliano Gema, e tal.

Levar o cartaz

E o Seu Alberto criou até uma nova atividade lá: o carregador de cartaz. Quando o velho não podia, pagava um dos meninos (valia a entrada) para pregar o cartaz. Um, na esquina do Bonaldo; outro, na Livraria Brizola, do Homero Finger.

O Calão do Tanan

O Calão do Tanan ficava na projeção. Ele entrava como o Django, o chapéu quebrado pro lado, as mãos como se estivesse para um duelo.
Certa vez, como o Calão não “passou” o Canal 100, um jornal que antecedia os filmes e trazia jogos do Rio, o Caturra gritou:
— E o jornal, Seu Alberto?
E o Seu Alberto rebateu no escuro:
— Se terminou, limpa com os dedos!

quinta-feira, janeiro 19

As torrentes de janeiro

Amor: teoria & prática

Te aguardo, amada,
Te espero
Eu fui bem cedo no Carrefour

Eu te aguardo, me apresso
Eu tô no Caixa:
Chantily tem a ver com gel?

Eu sou quem te aguarda,
Saudade de ti, bisca!,
Olha a lista que eu fiz:

Maionese, papinha,
Galinha assada
Eu quero dar pipoca às opiniões

E eu trouxe taças, guardanapos,
coisas de farmácia,
Eu te espero com dois litrões!

Pepsi, pêssegos, vinho
Eu te aguardo pra indagar:
Foi boa a minha espera, mulher!?

Amor, eu agüentei?

Paulo Ribeiro

Ilustração para o Quintana's Bar

Bebe cachaça, amada
bebe cachaça!
Não há metafísica nenhuma
em beber cachaça

quarta-feira, janeiro 18

A carícia primitiva

Os lábios calmos
declarados,
abertos,
incertas mãos em busca
Dos mamilos
Ao umbigo,
À cintura num cocegar
E num passe
Vai às coxas
trêmulas,
frenéticas
movimento inicial:
e o ventre então acolhe
o estocar da penetração!

Que paralisa o olho
Traz a baba ao peito
E mancha, sua,
Umedece os lençóis

E enterras então
a providencial toalha
que absorve
da Lua inteira
aquilo com que ela
se encheu:
o prazer líquido
a dor líquida
o querer líquido
e sem fim...

À essa carícia primitiva
chamaram: AMOR
Paulo Ribeiro

Os descaminhos do boi

Um belo e triste romance



"Claro que ele não pensa com essas frases compostas, provavelmente não; terá sido um jeito mais puro e duro, como naquela frase do grande Juan Carlos Onetti, desencavada pelo meu amigo Paulo Ribeiro, que a colocou como epígrafe de seu belo e triste romance, “Qué fuerza de realidad tienen los pensamientos de la gente que piensa poco y, sobre todo, que no divaga.

Quatro Negros, de Luís Augusto Fischer, recém-lançado pela LPM, faz referência, na p.101, a Vitrola dos Ausentes, com esta bonita expressão: "belo e triste romance".

terça-feira, janeiro 17

Adágio para Carmem

...pra compensar o rosto negado eu vi surgir uma esguia guitarrista parecida com as do Iberê. Uiaa! Engano! Não era Carmem, mas o velho bruxo quem conspirou. A próxima mulher em pânico. A terceira, numa janela com a cabeça “assim...” Sombreei os lábios e botei um resto de batom.









(Clique a crônica em cima, à direita)

Este livro eu inventei

segunda-feira, janeiro 16

O teleférico do Comendador

A partir do Estado Novo, ocorre de fato uma mudança na feição dos imigrantes em Bom Jesus. Novas faces se mesclam aos alemães e italianos (era o tempo do frei francês Geraldo de Grüffy), aos índios donos da terra e mesmo aos descendentes dos bandeirantes já ambientados.
Em 1938 chega o russo Constantino Verenzuki, que vinha exercer o ofício de sapateiro. No ano seguinte, o libanês, o médico Victor Simões, que contribuirá para a criação do Posto de Saúde, e transformar a até então devotada atividade do veterano Farias Cancello. Dr. Simões se dedicará à construção do hospital, deflagrada por herança do solteirão, também médico e botânico, João Dutra.

Nessa época, o judeu Gregório Ioschpe aparece para a industrialização da madeira. Como a saúde, também a madeira era explorada de forma empírica, havia somente a serraria de um Filinho Rodrigues. A chegada do judeu mudará radicalmente a economia do município.
O bom negócio atraiu o Comendador Tadeu Annoni Nedeff, do ramo, e de Passou Fundo ele traria a sua Gaúcha Madeireira. Era preciso então criar condições para a saída da madeira e, na dificuldade, o Comendador idealizou a exportação da mesma através de um teleférico.

E da fronteira do Rio Grande com Bom Jardim da Serra, em Santa Catarina, mil metros de altura, cordas de aço desciam os feixes de tábuas. Era quase impensável, mas aquela espécie de bonde rude levava a madeira a Orleães e Lauro Müller.
Até hoje, me contam, há restos do teleférico lá instalado e admira que não seja explorado pelo turismo, que poderia simular agora a antiga descida das madeiras a um porto catarinense.

domingo, janeiro 15

Folhinha virada

sábado, janeiro 14

Aniversário

quinta-feira, janeiro 12

A mãe de todos


Onde eu nasci, ela é chamada a mãe de todos. Giovana Dalla Giovanna, de Caxias do Sul, filha de imigrantes, perdeu o pai muito cedo. Mudam-se para a Argentina e logo morre a mãe. Com suas irmãs, é mandada para um orfanato. Giovana volta ao Brasil e aprende enfermagem com o Dr. Carbone em Caxias. Vai depois para Bom Jesus e auxiliará o médico Farias Cancelo.

Dava a própria roupa


Giovanna era extremamente dedicada, fazia curativos visitando casas e, nada cobrando, acabava trazendo leitão, galinha e ovos. Já era então a Joaninha, um chamado afetivo para a mulher que tirava a própria roupa pra fazer abrigo de mãe muito pobre. Mas, o melhor exemplo de sua humanidade, aconteceu no velório do seu marido Gelmino, quando foi chamada para um parto. Era uma indigente, da zona mais humilde da cidade, e Joaninha nem hesitou. Deixou que velassem o marido e lá se foi trazer alguém à vida.

As mãos de Giovanna


Privação, entrega aos outros, era isso que eu gostaria de ter compensado em nosso encontro que não houve. Do que se privou naquela noite em que saiu de casa porque eu inventei de nascer?
Eu pediria à Vó Joaninha Zuanazzi a forma de restituir aquelas horas ou minutos que permaneceu ali. E já sei, diria, não era nada. E então eu pediria que permitisse uma coisa só, simples.
Simples, mas fundamental: que eu pegasse em suas mãos.

terça-feira, janeiro 10

Frei Getúlio quer apito



Frei Getúlio era gordão, taciturno, tinha a barba a esfiapar. Frei Getúlio se fartava num churrasco, admirava o tempo do vinho. Getúlio de Vacaria, Romano Lino Toigo, o capuchinho bonachão.
Frei Getúlio sabia grego, dominava o latim, o francês. Era um tribuno veemente. Perna do óculos nos lábios, trançando a barba nos dedos, remoía os problemas calado. Frei Getúlio era bota, bombacha, era sota-capataz. Frei Getúlio explodia em gargalhada, era índio em carnaval.
Frei Getúlio ia pra Rádio Esmeralda, escrevia pro Chateaubriand. Frei Getúlio não usava rascunho, catava no dedilhar.
Era prático, objetivo, o Frei Getúlio era a Lei. Interpretava os códigos, se autorizava no enfrentar.
Frei Getúlio o tempo todo ocupado, gênio organizado a liderar: o teatro, a cultura, revolucionou por lá.
Sua presença em Bom Jesus causou mesmo intrigas, amizades, trazia um projeto para a cidade.
Neste 2006, são 50 anos do Ginásio Nossa Senhora das Graças, que depois ganhou o seu nome: Frei Getúlio!

sábado, janeiro 7

O sotaque do amor

O Conservatório Carlos Gomes, instalado no porão do colégio das freiras, foi transformado em Jardim da Infância, aí pelos 70. Fechar a música e instalar ali o “jardim” era uma forma menos culposa de encarar a idéia torta. Claro. Era mais já um sintoma da desintegração da boa cultura que havia no Bonja, meu Bom Jesus de boi e campo já tão decantado por mim.
No Conservatório, pra se ter uma idéia, estudaram Frutuoso Araújo, Chicão e Edson Dutra, o embrião de Os Serranos. Calculem a importância se aquele troço continuasse. Pois bem, eu fui para as “Irmãs” nos 70, e vocês não podem saber o que era pisar pela primeira vez no pátio interno. Que eu saiba, o Colégio das Irmãs era o único do mundo com pereira no próprio pátio. Éramos quase 150 pirralhos lançados, por 15 minutos, num pátio carregado de pêras!
Fora o futebolzinho, claro, no pátio das freiras dávamos também os nossos primeiros tropeços na Terra. Estou falando das gurias, o nosso raio de luz. O legado que nos veio de Eva e que era novamente proibido em folhas de parreiras que também havia no pomar das Irmãs. Falo das aulas de Ciências, quando nos mostravam o corpo humano. O corpo humano nu. O ventre com suas camadas internas, beiços, pequenas e macias fibras, aquele contraste entre a cor rósea e arroxeada do “pontinho mínimo”, surpresa!, então ilustrado nos livros.
Ah, aulas de Ciências!! As freiras colocavam músicas nos recreios. (E tem uma bendita música que até hoje trago, que nunca sei a autoria, orquestra, em que disco... mas todos os santos dias, eu disse todos, eu assobio a grudenta música!)
Mas, voltando. No pátio acontecia o primeiro olhar entre macho e fêmea e o sotaque encabulado do amor que começava a despertar. O recreio nos aliviava daquela tensão das ciências e matemáticas iniciais, e valia mesmo cada minuto dos 15 de recreio. Daqueles intervalos trouxemos a apreensão da força fêmea, o que faz o homem gemer e chorar. Tímidas, encabuladas, quem já queria namorar? Onde andarão as nossas namoradas que nunca mais se viu?